• 19 de junho de 2017

    A diferença entre desejo e realidade

    – O que acontece é que eu não tenho vontade de ir falar com ela.

    – Não tem vontade?

    – Não.

    – Hum… interessante, porque você mesmo me disse que foi falar com a amiga dela, com o pai dela e com aquele amigo dela que você nem gosta.

    – Mas isso é outra coisa.

    – Você não quer falar com ela ou gostaria de sentir que não quer falar com ela?

    (Silêncio)

    – Então?

    – Eu não quero falar com ela… mas não consigo… eu estou me quebrando por dentro.

    – Parabéns… foi corajoso em dizer.

     

    É muito comum as pessoas confundirem aquilo que gostariam de sentir ou pensar com o que de fato sentem ou pensam. Tentam, então, viver a partir do desejo e não de sua realidade interna. O caminho para a paz interna, no entanto, está na realidade.

    Lidar com nosso ideal de ego é uma tarefa muito difícil. O ser humano é muito vaidoso, por assim dizer. Aquilo que queremos ser, muitas vezes assume o lugar sobre aquilo que somos. Em uma sociedade cada vez mais ideológica essa dinâmica se acentua ainda mais. A repressão, hoje, não vai apenas em relação à alguns comportamentos que não são socialmente aceitos, ela converge para a própria noção que a pessoa tem te si.

    Porém isso não é uma exclusividade de nossa sociedade atual, faz parte da condição humana. É sempre tentadora a ideia de sermos perfeitos, mesmo quando estamos errados. Nesse sentido, tentamos mascarar aquilo que está ocorrendo com nossas concepções sobre o que é certo ser feito naquele momento. Fazer algo “certo” sem o alicerce psicológico adequado não serve. Digo isso por acompanhar várias vezes o processo em consultório. A pessoa, simplesmente sucumbe mais tarde.

    Ou pior. A psicoterapeuta corporal Gerda Boyesen cunho o termo “couraça secundária” parra falar sobre isso. Ela percebeu que a tendência na época com a biodinâmica era “quebrar” a couraça. Porém este efeito gerava o resultado oposto: ao invés de libertar a pessoa de uma couraça repressora, apenas criava outra, mais esperta e mais escondida.

    Assim sendo, quando fazemos algo que nosso estado atual “não dá conta”, a tendência é, por exemplo, esconder o nosso lado menos desenvolvido ainda mais. É importante compreender que o ideal de ego, o desejo que temos em nos tornar “alguém melhor” não deve, nunca estar acima de quem somos no momento. É a partir da realidade que criamos algo honesto, é a partir da fraqueza que criamos força. Esses preceitos são importantes e nos ajudam a relaxar e ser quem somos, mesmo no momento em que não gostamos disso e quando vemos o quanto isso no prejudica.

    O verdadeiro teste passa a ser, então, vencer a vergonha que sentimos de não sermos tão espertos, fortes, descolados, libertários ou qualquer outra coisa que o seu ideal de pessoa peça que você seja. O medo de “não pertencer ao clube” nos faz fingir, porém, do fingimento não há como nascer nada honesto e verdadeiro. A auto estima sabe quando mentimos, ela não se constitui plenamente quando construímos uma máscara, por mais bela que ela seja.

     

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