• 5 de dezembro de 2016

    Merecimento

    – Eu não sei se devo sabe?

    – Porque não deveria, fazer este curso é algo bom pra você e você pode.

    – Mas não me sinto muito bem em fazer.

    – O que você sente ao pensar em fazer o curso?

    – É uma coisa meio estranha… é como se não fosse para eu fazer sabe?

    – Hum, você sente que merece fazer este curso?

    – Não sei… talvez não.

     

    O merecimento é uma sensação que não é bem entendida por todos e causa muita confusão tanto no âmbito pessoal quanto profissional. No entanto, aprender a sentir isso é fator fundamental para uma boa saúde mental.

    Merecer significa, de forma geral, ser digno de algo. Esta maneira de pensar retrata a ligação entre um determinado fim e a capacidade de gerir os meio para se atingir este fim. O merecimento, portanto, não é uma questão moral e sim relativa à competência para atingir algo. É interessante refletir sobre isso porque muitas pessoas entendem o ato de merecer como uma questão moral na qual alguém com poder ou status lhes confere determinado título e merecer não tem a ver com isso.

    Levando o merecimento como elemento estruturante de auto estima, é importante lembrar da conotação acima citada que relaciona o merecer com competência. Ao pensar seguindo esta noção temos uma pessoa que percebe seu merecimento de acordo com os comportamentos que exibe e os resultados que atinge mediante suas ações. Esta percepção lhe confere confiança no sentido de capacidade de agir sobre o mundo e garantir sua sobrevivência e isso é um fator chave para a auto estima bem desenvolvida.

    O pensamento contrário, que envolve um terceiro munido de poder moral para nos dar merecimento deteriora nossa auto estima. Em primeiro lugar porque o merecimento, neste caso, não advém das ações da pessoa e sim do pensamento de um terceiro. Em segundo lugar porque não cria relação entre ação pessoal e resultados deixando a noção de consequências ao acaso.

    Assim sendo, neste nível do merecimento lidamos com critérios estabelecidos pela própria pessoa. É ela quem define suas aptidões, suas necessidades e se permite ser merecedora dos resultados que obtém mediante esta noção. Muitas pessoas, que ligam o merecer com uma questão moral tem problemas aqui. O problema, em geral, se apresenta seguindo a fórmula “não quero me achar”. A pessoa entende que dizer que ela é capaz de fazer o que ela é capaz é sinônimo de arrogância, porém isso só é possível quando se associa o merecer com um atributo moral. Neste caso, a pessoa espera que outros lhe digam que ela é boa porque ela própria não se autoriza dizer. O problema é que ela é capaz, mas não se sente capaz por não se permitir introjetar sua própria competência em sua auto imagem.

    Há outro componente em termos de merecimento que é mais primitivo e difícil de ser visualizado e sentido. Esse componente versa sobre o organismo biológico que somos e sua capacidade e necessidade de se manter vivo. Quando falamos de um “eu mais profundo”, podemos compreender que é esse “eu” do qual falamos. O merecimento nesse sentido se dá pelo fato do ser existir. O fato de existir (o que poderíamos entender por “competência”) me garante o merecimento nesta vida.

    Porém este merecer não é no sentido de garantir algum tipo de recompensa e sim o contrário (e por isso é difícil de entender este nível do merecimento). O fato de eu merecer estar nesta vida pelo fato de ser um corpo vivo me garante a necessidade de preservação deste corpo e não direitos sobre o mundo externo. O merecer aqui se dá no sentido de ser digno de auto cuidado e auto respeito. Eu mereço isso pelo fato de estar vivo e merecer isso significa ter o trabalho para gerar essas emoções em mim.

    A contrapartida moralizante deste nível se dá em duas vertentes, a primeira mais dependente, versa que por sermos um organismo o mundo nos deve alguma coisa, a fórmula é: “tenho direitos por estar vivo”. O segundo se dá enquanto a pessoa acha que alguém deve lhe dar autorização para viver de maneira digna. Ela coloca o seu bem estar nas mãos de terceiros enquanto detentores da permissão para se cuidar. “Porque eu deveria me cuidar?” é a pergunta que a pessoa faz. Ora, o merecimento não precisa de ninguém lhe autorizando a se cuidar, seu corpo lhe pede isso, é uma necessidade instintiva manter-se ereto e digno.

    Abraço

     

     

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