• 4 de junho de 2021

    Ninguém escapa de si

    – Mas daí sabe… eu acabei fazendo tudo o que tinha me proposto…

    – E?

    – E no fim eu me sinto igual… me sinto a mesma Akim!

    – Que bom que você percebeu isso.

    – Bom? O que tem de bom nisso!? Que eu fracassei?

    – Não, que você usou um monte de energia em algo bom, mas que, infelizmente, não preenche o seu vazio.

    – E o que preenche?

    – Você sabe, falamos disso aqui várias vezes.

    – É esse negócio de me valorizar para saber que as pessoas podem gostar de mim por quem sou?

    – É.

     

    “Aceitar o nosso destino”, talvez essa seja uma das frases mais mal compreendidas na civilização Ocidental, esta marcada justamente pela ousadia em romper com os “grilhões do passado”. Mas o que é aceitar nosso destino?

    O problema começa com a palavra “destino”. De certa maneira, pensamos no destino como o futuro, o lugar onde queremos chegar ou a situação econômica na qual desejamos ingressar. Porém, o destino é tempo presente e se refere ao momento em que já estamos, este sim nosso verdadeiro “ponto de chegada”. Compreender que nosso destino não “será”, mas “já é” coloca a frase “aceitar nosso destino” sob diferente perspectiva.

    Nossa identidade é um bom exemplo de como repensar a “aceitação do destino”. Vivemos na era do “self made man”, onde temos como virtuosa a pessoa que muda, que evolui e se constrói apesar de todo esforço envolvido para isso. Assim, tendemos a buscar no futuro a identidade que desejamos ter. O fato, porém, é que negligenciamos a identidade que já temos, sendo que é a partir desta que construiremos a próxima. O homem contemporâneo vive mais tempo em uma identidade futura a qual não existe e pouco tempo naquela que já é.

    Nesta perspectiva “aceitar o destino” é contemplar e aceitar as características de nossa identidade tal como ela já está organizada, sem nenhuma mudança. Esta última frase, inclusive, é o que causa ojeriza em muitas pessoas. O simples ato de pensar (ou ousar?) ser quem somos ao invés de uma versão idealizada de quem somos, pode ser tido como uma verdadeira afronta, muitas pessoas me olham e me perguntam (com seriedade) se estou querendo sabotar a mudança deles ao propor que se aceitem.

    O fato é que aquilo que somos é o ponto de partida para qualquer mudança possível. Sem conhecer, compreender e aceitar quem somos agora, as mudanças não se fazem possíveis. O que ocorre são compensações neuróticas que sempre tendem a repetir o tema base e isso fatalmente leva a pessoa à uma estranha sensação de que ela se esforçou muito mais que nada mudou de fato (é importante salientar, no entanto, que essa mesma sensação pode ser apenas excesso de cobrança da parte da pessoa).

    Aceitar nosso destino é aceitar onde estamos como estamos e quem somos. Partindo da perspectiva da identidade, significa parar de sonhar com quem vou me tornar e sentir que me tornei. Sei que falar em termos de presente e passado para o homem contemporâneo é algo demasiado enfadonho, porém, esta percepção de quem nos tornamos até agora (nosso verdadeiro destino) se faz fundamental para dar os próximos passos.

    A opção contrária é a famosa fuga disfarçada de evolução pessoal. Muitas pessoas atingem novas competências, status e conquistas apenas para, no fundo, reclamarem dos mesmos problemas. Isso é muito comum em consultório de psicoterapia e, não raro, as próprias pessoas concluem que se fizerem determinada mudança continuarão com o mesmo sofrimento. Assim sendo, aceitar o destino, ou seja, aceitar onde cheguei e o que me tornei é, também, compreender a minha história e a história de minhas escolhas. Isso sim é algo que pode ajudar a realizar novas escolhas e, então, mudanças que, de fato, poderão “mudar o seu destino”.

    Abraço

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