• 30 de maio de 2016

    Precisa gostar do que faz?

    Caminhante, são teus passos
    o caminho e nada mais;
    Caminhante, não há caminho,
    faz-se caminho ao andar.
    Ao andar se faz caminho,
    e ao voltar a vista atrás
    se vê a senda que nunca
    se voltará a pisar.

    Antonio Machado

    Será que fazer aquilo que gostamos é sempre a escolha certa para nós? Nem sempre, sou um crítico desta percepção e acho que o caminho nos oferece muito mais do que aquilo que, meramente, gostamos.

    O que é “gostar” de algo? Quando os vários palestrantes motivacionais dizem que temos que fazer aquilo que gostamos, a pergunta que eu faço de volta é: como saber que gostamos de algo? Em geral serão associadas várias sensações como prazer, “emoção”, satisfação, empolgação como explicações do que é “gostar”.

    Porém “gostar” é algo que pode não ter absolutamente nada a ver com prazer. Na verdade, existem outras sensações e emoções que podem ser – e geralmente são – muito mais importantes do que o “simples” gostar. Curiosidade, por exemplo, quem é curioso sabe que esta sensação não envolve, necessariamente um prazer com o objeto que nos desperta a curiosidade. Algumas vezes tem-se prazer apenas depois, como um “subproduto” da curiosidade – por exemplo, quando você consegue compreender uma dinâmica psíquica, montar uma intervenção e vê-la funcionando.

    O orgulho decorrente do resultado positivo vindo do esforço bem empregado em relação à uma determinada tarefa ou atividade é outra emoção que não se fala tanto, mas que tenho percebido como altamente importante para o desenvolvimento profissional e pessoal. Sentir orgulho é muito mais recompensador do que sentir prazer, visto que o orgulho motiva à novos desafios o prazer, nem sempre.

    A sensação prazerosa possui um grande problema: ela é fugaz. Faça algo que lhe dá prazer todos os dias e verá com o passar dos mesmos que a sua sensação de prazer diminui e até termina porque tendemos a nos habituar com as sensações, elas, organicamente, não geram mais prazer. Aqui entra o problema das atuais gerações que buscam o prazer em tudo o que fazem: como não encontram mais o prazer – pela fato de terem se habituado – as pessoas acham que está na hora de trocar de atividade ou então deprimem atordoadas com a ideia de como pode aquilo que tanto me animava agora não me animar.

    As outras emoções tem uma vantagem: elas não cessam como o prazer, pelo contrário, tendem a entrar em um circulo virtuoso que ao mesmo tempo que expressa a pessoa, alimenta a sua alma. Eu, por exemplo, não “gosto” de Psicologia. Ela é uma ciência que me instiga, causando até mesmo um pouco de ansiedade. O desejo de compreender e saber como intervir não me causa sensação de prazer e sim uma inquietação que me faz buscar soluções. Quando sinto o prazer é muito depois, quando uma pessoa ou família mostram melhoras em suas vidas. Se fosse apenas pelo “prazer” eu já estaria há muito fora do mercado.

    Além disso tudo, existe outro fato: muitas pessoas começam em profissões ou atividades que “não gostam” e, com o tempo, começam a se apaixonar. Isso me lembra o poema, acima citado, que diz que não há um caminho, o caminho se faz ao caminhar. Não é a sua profissão que vai lhe trazer sentido, mas sim você quem vai atribuir sentido à sua profissão. O mesmo vale para a vida.

    Qual o sentido da vida? Perguntaram para Buda, ele respondeu que o sentido da vida era uma flor. A metáfora lembra o fato de que a vida vem sem sentido, ela não precisa disso, nós precisamos. Marte se vira muito bem sem ar, quem necessita dele somos nós, humanos. Assim, o sentido não está fora e sim dentro, as pessoas podem ter um local de trabalho fantástico, porém sem saber como valorizá-lo adequadamente, sempre vão sentir um “vazio” por dentro.

    Então, quando me perguntam, por exemplo: mas eu não devo fazer o que eu gosto? Eu respondo que não. Você deve fazer o que você quer e nem sempre isso terá a ver com prazer, na verdade, muitas vezes não. Em algumas terá a ver com dor, frustração, tédio e várias outras emoções que você não gosta de sentir. “Mas Akim, enfentar isso só tem sentido se a gente gosta do que faz”, ledo engano, enfrenta isso quem dá à sua atividade um sentido que complementa a sua própria vida. Quem gosta, pela minha prática, aprende a não gostar mais e gostar de outra coisa. O prazer é volúvel, o sentido não.

     

    Comentários
    Compartilhe: