• 23 de junho de 2017

    Quando a culpa liberta

    – Mas meu pai não me dá carinho sabe?

    – Sei. Mas isso não é importante.

    – Como não? Eu me sinto abandonado por ele.

    – Isso não é importante. Como você se sente com a sua atual situação de vida?

    – Não me sinto muito bem, mas não vejo o que isso tem a ver com meu pai.

    – Tudo. Como você se sente em relação ao que faz com sua vida?

    – Mal, já lhe disse.

    – E quando pensa em seu pai sobre este ponto de vista, como se sente?

    – Dando trabalho, mas ele não me dá carinho, como que eu…

    – Já lhe disse que isso não é importante. O que você faz com esta sensação de “dando trabalho”? Seja honesto.

    – Nada.

    – “Dando trabalho” é como se fosse “culpa”?

    – Sim.

    – Porque não assume esta culpa e faz algo com ela ao invés de ficar tentando projetar ela no seu pai por “falta de carinho”?

     

    A culpa é uma emoção controversa. Quando bem empregada pode nos dar prumo na vida, quando mal empregada nos coloca um redemoinho interminável de projeção de acusações. Como usá-la bem é o tema desse post.

    Em primeiro lugar vamos deixar bem claro que a culpa não é um problema. Ao contrário do que as teorias de “libertação” e (pseudo) auto estima afirmaram ao longo dos últimos anos, a culpa não é, por si só a vilã que acaba com nossas vidas. O emprego da culpa é o que faz toda a diferença, mas, para compreender como empregar bem a culpa é necessário entender o que ela, de fato, é e como opera.

    A culpa nada mais é do que a percepção de que violamos, com o nosso comportamento, os nossos próprios valores. Dito assim, ela parece mais uma ferramenta útil do que algo nocivo não é? E é. A culpa nos coloca em cheque com nossos valores, ela nos avisa que estamos violando algo que consideramos certo e justo. Muitas vezes as pessoas “não sabem” de onde vem a culpa, em geral, trata-se de um sistema de valores oculto ou até mesmo negado pela pessoa, mas que continua em operação.

    O problema com a culpa é que ela é crua. Não há “meia culpa”, ou você sente ou não sente. A sensação de culpa não é muito agradável, o que faz com que as pessoas tenham a tendência em se afastar dela. Esse afastamento é feito por meio de projeção de responsabilidade, projeção de acusações, negação ou tentativas (cada vez mais comuns) de racionalização.

    Porém, se violamos algo que consideramos justo, que bem poderá vir de nos afastarmos do sentimento que nos alarma contra isso? Nenhum. O bem estará em aceitar a culpa e buscar fazer algo com ela. A culpa é libertadora quando a aceitamos e compreendemos os valores que foram violados por nós. Com isso em mente podemos encontrar uma forma de lidar com a culpa que sentimos.

    Lidar com a culpa não significa expiá-la ou fazer algo para ser desculpado. Não. O que realmente resolve a culpa é a maneira de lidar com a consequência do que fizemos. Assim sendo se faço mal a alguém, preciso compreender isso e me comprometer a não fazer mais isso. Em relação aos danos que já foram causados, posso ajudar a amenizar e arcar com a dor de ver o outro sofrer.

    Isso é importante, embora não seja culturalmente aceito hoje em dia. É importante que aquele que causou o dano sofra as consequências disso. Aguentar essa dor é o que edifica a partir da culpa. Nesse sentido a culpa liberta, porque nos faz sentir o peso e a dor em violarmos aquilo que acreditamos ser justo e adequado. Obviamente podemos evoluir em nossas perspectivas e assumir novos valores. A culpa se mantém da mesma maneira, a única diferença é que atende à valores diferentes.

    Abraço

     

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