• 11 de setembro de 2015

    A era das opiniões

    O que uma simples opinião emitida no facebook pode ter a ver com a a crise dos refugiados? A intolerância. Neste artigo, pretendo expressar algumas percepções à respeito de como estamos usando o potencial para darmos opiniões sobre tudo numa ameaça à própria liberdade de expressar.

    INTRODUÇÃO

    Nicolas Cage morreu. De novo. O ator morreu aproximadamente cinco vezes entre 2012 e 2013 segundo o site “Cineclick” ¹. Assim como ele, Brad Pitt e Adam Sudler também já foram para o caixão. A morte de celebridades é um exemplos de “hoax” muito comum. As notícias falsas são tão comuns na internet hoje que sites como o “notícia falsa” (http://noticiafalsa.com/) servem para criar e espalhar estas notícias nas redes sociais.

    As notícias falsas possuem o que se chama em marketing de “efeito viral”, ou seja, ela se espalha rapidamente, como um vírus pelas redes sociais alcançando um número grande de pessoas em pouco tempo. Em seu livro “A Bíblia do Marketing Digital”², Cláudio Torres diz sobre o marketing viral:

    “A premissa é que a mensagem alcança um usuário “suscetível” que é “infectado” por ela, no sentido de que aceita a mensagem e sua ideia, e compartilhará então a mensagem com outras pessoas de sua rede “infectando-as”, ou seja, fazendo com que aceitem a mensagem. Desde que cada usuário “infectado” passe a mensagem para mais de uma pessoa, o número de usuários “infectados” crescerá exponencialmente” (TORRES, pg 190; 2009).

    Ao aceitar a notícia a pessoa dá validade à ela. No ano de 2004 criou-se o conceito de “usuário alfa” que seria uma pessoa que “deve ser infectada” para que a campanha flua com mais força e velocidade. Estes usuários são, em geral, formadores de opinião, pessoas influentes num grupo que emprestam àquilo que colocam em suas redes confiabilidade. Uma vez que a notícia, informação ou serviço apareça em sua rede as pessoas tendem a dar valor para aquela informação e assumi-la, assim como o usuário alfa como verdadeira e importante.

    Quando uma notícia falsa possui a força de um viral o que temos é que uma informação completamente falsa invade as redes sociais e se lança com força sobre várias pessoas. O site da “Folha de São Paulo”³ mostra um caso que nos dá uma dimensão do poder da notícia falsa e do efeito viral quando mostra que o site americano de notícias falsas Onion News Network divulgou que Justin Bieber seria um pedófilo de 51 anos disfarçado e que esta notícia – advinda de um site de notícias fantasiosas – foi divulgada por uma rede de televisão em Hong Kong. Assim como este disparate outros aparecem na reportagem.

    Mais de uma rede de notícias já teve que se desculpar publicamente por ter “errado” ao apresentar uma notícia falsa. O que preocupa é que estas redes são tidas como “usuários alfa”, ou seja, quando se coloca uma notícia num telejornal ou numa grande rede de notícias como a CNN, por exemplo, a mesma recebe muita credibilidade. A questão é que mesmo uma rede poderosa como esta pode sucumbir ao poder de um simples hoax e, com ela, milhares, milhões de pessoas poderão assumir como verdadeira uma notícia completamente fantasiosa e – na maior parte das vezes – totalmente humorística.

     

    PORQUE O HOAX FUNCIONA?

    O hoax e o efeito viral de sucesso possuem estrutura. Ele deve fazer a pessoa “sentir” algo em relação ao que está sendo apresentado, ou seja, é algo criado com o intuito de mexer com a emoção da pessoa, não com a razão dela. A notícia da morte de uma celebridade, por exemplo, não está falando da pessoa, mas sim do impacto da “morte” e do status da celebridade. A notícia da morte de um “João ninguém” não chama atenção das pessoas.

    Outra característica é ser algo inesperado. O inesperado também é algo que atinge o emocional por chocar a pessoa. Assim no caso que estamos vendo, a morte não apenas é um tema que move nossa emoção como saber da morte de alguém importante é algo inesperado, algo impactante e que clama a atenção.

    A notícia relacionar-se diretamente com o cotidiano das pessoas também é um elemento importante. As pessoas, hoje, dão muita importância ao seu cotidiano, uma das marcas da pós modernidade⁴ que busca tornar o dia a dia num show, num espetáculo e as notícias falsas podem, muito bem, contribuir para isto. Se for algo muito distante do cotidiano das pessoas não irá chamar atenção por ser algo inatingível.

    Além disso os virais precisam ser compartilháveis nas redes sociais e ter espaço para comentários, ou seja, é importante que as pessoas comentem sobre o que estão lendo para dar suas opiniões, expressar o que sentem e deixar mensagens para que outros amigos vejam a matéria e compartilhem-na. A ideia que circunda estes dois itens é de que é importante criar uma comunidade em torno da informação que foi disponibilizada, a partir disso a mensagem cria mais força e credibilidade: ler algo que duas pessoas curtiram sem nenhum comentário ou ler algo com mais de dez mil compartilhamentos e milhares de comentários?

    Para tornar este efeito ainda mais poderoso temos o já citado “usuário alfa” que irá dar credibilidade à informação: ler uma matéria curtida por um João-ninguém ou por uma importante celebridade? Porém, nem sempre a pessoa que curte e espalha a informação é uma pessoa que conhece sobre a informação. Uma celebridade pode não entender absolutamente nada sobre um ramo da ciência e mesmo assim se ela publicar isso em sua página as pessoas irão checar a notícia. Isso, na verdade, apenas torna o efeito viral ainda mais “perigoso”.

     

    CÉREBRO E SOCIEDADE

    Daniel Goleman em seu best seller “Inteligência Emocional”⁵ de 1995 falava sobre uma descoberta que nos ajuda a compreender o efeito do hoax e dos virais. Os trabalhos de LeDoux mostram que “Anatomicamente, o sistema emocional pode agir independente do neocórtex” (GOLEMAN, pg 32; 1995). Em outras palavras o que ele quer dizer é podemos ter um conjunto completo de ações apenas com base em emoções, sem levar em consideração o que nossa razão pensa sobre isso.

    Embora isso pareça óbvio ao senso comum é importante refletir sobre  que isso realmente quer dizer. Ocorre que a informação que captamos do ambiente percorre dois caminhos no cérebro: um deles indo do tálamo para o córtex e daí para a amígdala e o outro saindo direto do tálamo para a amígdala.

    O primeiro, o caminho longo, faz com que todas as informações captadas sejam processadas pelo cérebro criando uma imagem mais adequada daquilo à que estamos reagindo. O nível de detalhamento é maior e o cérebro já teve tempo de processar estratégias para lidar com a situação.

    O segundo caminho, o caminho curto, leva as informações sem muito processamento diretamente para a amígdala gerando estados emocionais os quais resultam na tomada de comportamentos. Este é um caminho mais rápido e menos preciso.

    A diferença entre um e outro é como quando estamos chegando em casa e ligamos a luz, olhamos rapidamente para o chão e vemos uma aranha, logo damos um salto e pisamos em cima dela. Assim que tiramos o sapato de cima dela vemos que ela era, na verdade, um tufo de pelos “parecido” com uma aranha. Este “parecido” = “aranha” é que é o efeito do caminho curto. Ele toma um conjunto inicial de informações como uma informação já processada e reage à isto. A segunda via – o caminho longo – processa a informação e é quando você percebe que a “aranha” não é uma aranha antes de pisar nela.

    O efeito viral como vimos acima, pretende inicialmente dois elementos: o choque (ser algo inesperado) e mexer com as emoções das pessoas. Ele quer trabalhar com a via curta, pretende um comportamento rápido e impensado, quase que automático para que possa ter o seu efeito. Quando as pessoas compartilham um viral elas não estão refletindo sobre o que estão compartilhando, estão reagindo à emoção que o viral causa. O mesmo vale para os comentários que elas colocam rapidamente nas redes sociais sobre aquilo que estão vendo.

    A resposta emocional tende à ser rápida e instintiva, pouco planejada e efetuada com a menor quantidade possível de elementos para se ter uma resposta, por esta  razão é que reagimos aos pelos como se fosse uma aranha: o cérebro ainda está computando as informações e o sistema límbico “pensa”: “pode ser uma aranha, pule para longe” e nós reagimos à isso. Assim sendo ela é menos elaborada e, em geral, reativa, ou seja, ela é uma reação aquilo que se pensa ser a informação e não o que a informação que está chegando ao cérebro realmente é.

    Em termos humanos conhecemos aquelas pessoas que geralmente respondem sem pensar muito e muitas vezes se arrependem do que falam e dizem “falei sem pensar”. Isso não está muito longe da verdade visto que quando a reação perfaz este caminho ela não foi pensada, foi apenas instintiva. Os efeitos nocivos são óbvios quando tratamos de uma situação na qual o envolvimento do ato de pensar se faz positivo como numa discussão de um casal ou numa negociação.

    O viral busca a via que nos faz reagir ao invés de refletir. Ele quer ações rápidas e emocionais que não se tratem de reflexões sobre o tema, mas sim ações sobre o tema. Dá-se à isso o nome de “escolha”, porém nem sempre estamos fazendo uma escolha ao termos uma atitude. A escolha exige um processo reflexivo para ser chamada de escolha e quando reagimos por impulso as informações necessárias para a reflexão nem sequer foram computadas pelo cérebro o que torna a escolha menos provável. Desta maneira o que o viral busca é uma ação impensada, um impulso.

    Esta busca faz parte de um cenário maior também. O impulso como resposta “desejada” não faz parte apenas do compartilhar informações na rede, ele está inserido, também, na compra de produtos e serviços concretos desde um iogurte da prateleira de um hipermercado até uma massagem num spa ou uma viagem. Na verdade ele é o aprimoramento de um modo de viver, de uma “ética” que se vive neste momento em nossa sociedade.

    “Faça sua escolha”. Este é o mote do “ocidental-padrão” atual. Ter o poder de escolher nos define, não ter tal poder nos oprime. A ideia da escolha está sustentada em outra ideia: a da identidade. O sujeito que escolhe, que pensa, que se emociona é o alvo da sociedade ocidental. Tudo aquilo que se faz é pensando neste sujeito e em suas necessidades (ou supostas necessidades). Uma necessidade fundamental ao sujeito é a de “ser”, de encontrar um meio de se “auto expressar” e aí vem a necessidade da escolha, pois o ato de ser se torna possível quando escolhemos. Ou pelo menos este é o discurso empregado e usado hoje em nossa sociedade.

    Este sujeito encontra-se num universo social e econômico. Se ele precisa escolher para ser, então é necessário que este universo busque organizar-se em prol destas “necessidades”. Sendo assim o número de escolhas que começam a se tornar disponíveis ao “ser” “humano” começam a aumentar. Junto com o aumento da quantidade de escolhas vem o aumento da necessidade de saber fazer estas escolhas. Para escolher de fato a pessoa precisa refletir e, para isso, precisa de dados, de informações para tomar decisões. Porém o número de informações para realizar todas as escolhas que são colocadas à nossa frente hoje é tão grande e muda tão rapidamente que se torna praticamente impossível que uma pessoa consiga, de fato, digerir tudo aquilo que precisaria digerir para fazer escolhas “reais”.

    Se a rota da reflexão não é mais adequada para fazer escolhas, uma outra rota se torna disponível: a rota do impulso. O impulso é mais interessante por requerer menos tempo, menos energia e ter muito menos compromisso com a escolha realizada. No que se chama de era “Líquido moderna”⁶, segundo a nomenclatura de Zygmunt Bauman, a falta de compromisso é uma marca registrada que se relaciona com a incrível mutabilidade das estruturas sociais e econômicas. Quanto mais e mais rapidamente o mundo muda menos a ideia de compromisso e lealdade se faz valorizar. Assim o impulso serve como uma maneira de “garantir” a possibilidade de “exercer” a  “escolha” e de diminuir a sensação de insegurança em relação às escolhas feitas. A ideia de que “depois eu posso mudar de escolha” é tão importante hoje quanto a ideia de fazer a escolha.

    Isso diminui o compromisso não apenas com o que é escolhido, mas também com as premissas que se utilizam ao escolher. A ética pessoal entendida como um conjunto de regras e crenças que norteiam a vida da pessoa é a principal vítima deste novo arranjo⁷. A ética sofre por “não ser mais útil”, ter um conjunto de valores com os quais organizar a sua vida é algo “non sense” num universo que muda tanto e exige sempre novas regras. O que fica oculto neste discurso, porém, é a pergunta: a quem este universo está servindo? Para este autor não parece que seja à humanidade da nossa sociedade.

    A ética humana perde lugar para a ética de mercado. Isso significa dizer que passamos a incorporar ideias, comportamentos e uma estrutura que são do universo corporativo dentro das relações humanas⁸. Estas regras não são assumidas por acaso, no entanto, elas fazem parte de toda uma construção que tem como principal fator o sujeito e a ideia de que ser um sujeito é algo relacionado com as escolhas feitas por ele. Para manter-se sujeito as escolhas devem ser rápidas, calculadas e modificáveis. Como “ser um sujeito” é algo que está além do universo corporativo, começa-se a levar estas mesmas regras para todos os outros ambientes. No ambiente corporativo a regra é clara: aquilo que vende se mantém, o que não vende vai para o lixo, quando aplicamos isso às relações humanas, qual a emoção que incorpora este cenário todo? O medo do descarte.

    Porém para nos entendermos “descartáveis”, é necessário, antes, um processo ainda mais dolorido: o de nos tornarmos um objeto, uma mercadoria. Tornar o humano em  “mercadoria humana”⁹ é o processo que a modernidade líquida tem criado como uma tentativa de resposta ao enigma do “quem sou” que é a questão do sujeito e da auto expressão. A questão é que a auto expressão recebeu o mesmo valor de um produto. É como se para respondermos: “como sei quem sou?” ou ainda “como sei que estou sendo eu mesmo” a resposta fosse: “de acordo com quantas pessoas “compram” a sua auto imagem”. Ou seja, me valido pela admiração que causo nos outros. Traduzindo em termos de redes sociais é como se eu sou aquilo que os outros curtem, comentam e compartilham de mim. O restante “não é válido”.

    As escolhas feitas “para si” assumem o valor de escolhas feitas para o consumo e deleite do outro que vai “comprar” estas escolhas também para si. Este processo de validação obviamente gera o seu oposto e aquilo que não é “curtido” torna-se lixo, lixo humano. O que não possui lugar nas prateleiras torna-se lixo humano e este é o medo do descarte de que se falava acima.

    Então, temos que, atualmente, tudo é um produto – e se ainda não é trata-se de algo que está fora do jogo, no limbo o que é ainda pior. As regras que se aplicam à venda de um produto como um televisor aplicam-se também às relações humanas. O efeito viral de que falávamos acima se aplica à uma notícia da mesma maneira que se aplica à um namoro. O que sugere que o tipo de resposta impulsiva que se tem ao compartilhar um viral é um tipo de resposta muito parecida com aquela que se tem ao iniciar uma relação.

    Todo este raciocínio serve para ilustrar dois pontos: o primeiro de que o o “eu” assim como o “outro” na modernidade líquida são iguais à produtos. O segundo é que as escolhas que são feitas neste cenário tem muito mais a ver com impulsos do que com reflexões. Quanto mais a sociedade organiza a sua rotina e os seus elementos em torno da noção de produtos, mais o raciocínio do impulso se multiplica e mais tudo se torna um produto à ser escolhido e quanto mais escolhas menos reflexão e mais impulsos.

     

    UMA VIA MAIS LONGA

    Voltando ao hoax, alguns sites dedicam-se exclusivamente à descobrir as notícias falsas e anunciá-las como falsas, é o caso do site: Boatos!org (http://www.boatos.org/) que traz várias informações úteis sobre crimes, mortes, cultura e saúde por exemplo. O site americano “Hoax Busters” (www.hoaxbusters.org) vem com o seguinte mote “Where skeptics come for answers” (Onde os céticos procuram respostas).

    O funcionamento destes sites é buscar por notícias que pareçam suspeitas e buscar a verdade sobre elas publicando este conteúdo. É um trabalho que exige muita pesquisa e atenção para conseguir perceber os detalhes de uma notícia falsa assim como para buscar a verdade sobre ela, rastrear quem originou a notícia falsa e deixar esta informação acessível. É um trabalho não para o cético eu diria, mas para o cérebro. É necessário pensar, perceber e refletir.

    Este tipo de iniciativa é aquela que se refere à “via longa” do processamento da informação. Uma pela qual a informação chega ao córtex e é devidamente identificada e classificada. Exige algo além da pergunta: comprar ou descartar? É algo que sai do senso comum do consumidor e faz a pessoa elaborar perguntas, rever dados, refletir, pensar, sentir e decidir. A ideia não é contrapor emoção e razão porque a via mais longa também se relaciona com o emocional, mas existe uma complementação das ações.

    O desafio de uma via mais longa é que ela exige compromisso, reflexão e também a noção de que nem tudo é um produto. Ela faz com que a pessoa se retire da ideia de consumo, de mercado e isso é perigoso hoje em dia. O perigo, óbvio, é o de não ser vendável. Mesmo que a pessoa não perceba isso como importante a ordem social que sustenta esta noção faz com que isso seja fundamental para a manutenção da vida, para ganhar dinheiro e ter um emprego, por exemplo.

    A ideia da via longa é que ela nos mostra que não precisamos ser um refém de nossas reações emocionais. Mesmo que elas possam ocorrer sem a interferência do córtex é possível, através da integração destes sistemas, um equilíbrio entre um impulso e uma reflexão mais ponderada.

    Gosto de dizer que quando aquilo que se fala é embasado, estamos nos “posicionando” à respeito de algo enquanto que, quando a nossa fala é mais baseada na nossa experiência direta ou em “achismos”, estamos omitindo uma  “opinião”, daí o nome deste artigo.

    Em blogs e sites hoje em dia logo acima da caixa em que aparece o espaço para deixar os comentários lê-se o mote líquido moderno “seja o primeiro a comentar”. É interessante, pois rapidez e qualidade, como estamos vendo não são exatamente parceiros quando o assunto é uma reflexão sobre um tema ou uma escolha a ser tomada. A via longa não quer ser a primeira, mas sim a mais eficaz, a mais estruturada.

    Como seria se ao invés de “seja o primeiro a comentar” a chamada fosse “descreva e embase o seu posicionamento”? Creio que o número de comentários seria infinitamente menor, porém, em termos de qualidade, creio que teríamos um grande aumento. Não defendo que tudo aquilo que dizemos deve ser embasado em um estudo minucioso sobre o assunto, acredito que a vida se tornaria terrivelmente chata se assim fosse, porém em determinados assuntos creio ser o “mínimo necessário”.

    O problema é quando a resposta impulsiva torna-se um padrão de resposta para a sociedade. Tudo aquilo que vai para blogs, sites ou redes sociais, seja na forma de um compartilhamento, curtida ou comentário vira informação. Esta alimenta uma imensa rede de marketing que usa este conteúdo para gerar novas campanhas, novos produtos e direciona o crescimento do mercado e do que este irá consumir. O que é vivido virtualmente não é apenas vivido lá, não se trata de uma simples conversa de bar após a qual as opiniões de cada um ficam com cada um, é um processo social no qual as opiniões lá registradas poderão se tornar o direcionamento de uma campanha de marketing, o fator que decidirá a próxima capa da veja ou, como vimos nos EUA anos atrás, o presidente do país mais poderoso do mundo. Talvez você nunca tenha pensado nisso, mas tudo o que você posta não é visto só por seus amigos, como também por todas as agências de marketing.

    Agora, juntemos isso com a ideia de que o conteúdo que mais causa repercussão tanto em curtidas quanto em compartilhamentos e opiniões são os virais, projetados para mexer com o aspecto emocional, com a via curta e produzir reações impulsivas. Logo temos que, na verdade, aquilo que alimenta o marketing que nos trará novos produtos e serviços assim como organizará o rumo da nossa economia são, na verdade, impulsos do sistema límbico ao invés de reflexões mais maduras do córtex. Pense que um voto que irá decidir o sistema de saúde de um país poderá ser influenciado por um momento no qual alguém ficou irritado na internet com um determinado conteúdo e despejou, ali, a sua raiva. Que esta mesma pessoa se arrependeu depois do que escreveu – porque pensou melhor à respeito – mas pensou: “ah, não importa tanto assim, deixa lá mesmo”. Como já disse, o presidente Barack Obama foi eleito se utilizando muito das redes sociais. Se um presidente foi eleito, porque não uma lei?

    Agora o ponto que considero ainda mais importante. Como estas informações são absorvidas pelo mercado elas assumem um valor diferenciado. Independente de onde elas vieram, a partir do momento em que irão tornar-se produtos elas precisam ser vendáveis, elas precisam garantir para aquelas empresas que compraram – e acreditaram nelas – o lucro. Assim sendo não apenas aquelas opiniões impulsivas se tornaram produtos como também irão se tornar a nova propaganda, reforçando ainda mais a resposta impulsiva. E ainda mais: como ela irá gerar vendas e lucros ela se tornará “verdadeira”, pois – como já dito acima – na sociedade de consumo o que “valida” qualquer coisa é a possibilidade disto ser vendido. Então, aquele impulso, do qual a pessoa até se envergonha mais tarde, torna-se um produto e assim é vendido e quando é vendido a mesma pessoa que sentiu vergonha do que disse pensa: “olhe só, no fundo eu estava pensando certo”. E quando além disso o poder econômico se envolve com este produto significando status e poder temos um cenário no qual os impulsos não são apenas estratégias para vender mais, mas se tornam o “status quo” – se é que podemos chamar isso de status quo – de uma sociedade de consumidores.

     

    ERA DA INTOLERÂNCIA

    Se este raciocínio é válido temos que cada vez mais temos uma “era da opinião”, ou seja, uma era em que aquilo que é impulsivo e rápido é valorizado em detrimento daquilo que é refletido e pensado. Voltando ao cérebro é importante lembrar que a via curta não é uma via que muito reflete, sendo uma via de reações mais instintivas, ou seja, defensivas. Este é um ponto fundamental. A reação impulsiva tende a ser defensiva ou agressiva por um motivo óbvio: ela é do nível emocional e instintivo, ela não é projetada para envolver questões éticas e morais, mas sim para garantir a sobrevivência do animal: “matar o tudo de fios que parece uma aranha”.

    Assim sendo quando estas reações são contrariadas o que se contraria é este instinto e ele não gosta de ser contrariado. Ao ser contrariado ele reage. Quando este instinto se torna um padrão social a questão é mais profunda, pois os instintos compartilhados são validados, tido como certos, fortalecidos com um poder econômico e então a atitude de reação contra aqueles que “falam contra” é ainda mais violenta.

    Tenho – agora falo da minha experiência pessoal – visto na internet tímidos ensaios falando sobre um momento no qual se está entrando num tipo novo de intolerância. Aquela que é patrocinada pelo poder econômico. Ou seja, não se trata de uma intolerância apenas religiosa ou cultural, mas sim uma criada por um sistema de propaganda, comerciais e economia; seria o consumismo criando sistemas de intolerância.

    Porém a vantagem do consumismo sobre todos os outros sistemas é que a regra na qual ele se baseia lhe permite um número sem fim de sistemas antagônicos brigando contra si. Em outras palavras, para o consumismo o importante é que esses sistemas criem demandas de consumo, se assim o fizerem eles sustentam o sistema-maior e então não há problemas. Quanto mais jornais, revistas, encontros e dinheiro sendo gasto para qualquer fim estiverem disponíveis, melhor para o consumismo a ideologia em si não é importante, o consumo dela sim.

    Por esta razão vejo com um certo temor que quanto mais os impulsos são valorizados pelo sistema que tentei descrever acima, mais estamos nutrindo intolerâncias visto que o sistema impulsivo é, por sua natureza, reacionário e defensivo. A era das opiniões gera a era da intolerância quando os impulsos ao invés de serem tratados como impulsos e valorizados nos contextos em que devem ser valorizados são usados como matéria-prima para nutrir um sistema econômico, social e cultural e a reflexão deixa de ter o seu valor por ser “lenta” “demais” e deve abrir mão de um lugar importante na construção social para dar lugar à estes impulsos.

     

    SOBRE O AUTOR

    Quando criamos um texto estamos, obviamente, falando de nós mesmos também. Resolvi escrever este artigo quando a notícia falsa de que Saturno estaria mais próximo da Terra foi celebrada por muitas pessoas como se fosse algo possível. Particularmente quando li isso senti medo porque pensei imediatamente: “Saturno!? O que diabos está ocorrendo para que Saturno venha próximo da Terra?” Então pensei em seguida: não pode ser verdade isso! Pesquisei e rapidamente descobri a mentira.

    O tema já estava em minha mente a algum tempo e depois deste dia  resolvi colocá-lo no papel. Isto se deu em fevereiro de 2014 e o texto está sendo terminado apenas em setembro. Durante este tempo eu pude refletir, ler alguns livros de marketing, mudar de ideia uma centena de vezes sobre como escrever o texto até chegar neste formato.

    Porque estou falando sobre isso? Para deixar claro que é possível integrar os sistemas límbico e cortical. Eu, por exemplo, escrevo este texto com um receio no peito. Como uma pessoa de muito pensar fico sempre um tanto assustado com atitudes e opiniões que vejo as pessoas dando por aí. Não pelo fato de eu discordar, mas pelo fato de elas não perceberem que se tratam de opiniões irrefletidas sobre o mundo e, muitas vezes, elas próprias.

    Neste artigo, por exemplo, um dos pontos que deixo claro – embora não explore muito por não ser o objetivo fundamental do artigo – é que não creio que precisamos refletir o tempo todo, existe um lugar importante para a emoção e para a reação instintiva. Porém não creio, também, que elas devam assumir o lugar como percebo – e aqui é minha opinião, minha experiência baseada no dia a dia e nos 10 anos de clínica – que estão assumindo.

    Gostaria de fechar este artigo dizendo que me preocupo muito com e noção da Era da Intolerância, porque na minha visão, ela está ocorrendo. Acredito que educação emocional e intelectual unidas podem gerar um saber maior sobre a pessoa e prepará-la para uma educação social mais profunda. Tenho visto que a ótica de aprendermos a nos relacionar com os outros tem sido cada vez mais ampliada e discutida pelo fato de que estamos realmente precisando disso. O individualismo e o excesso de foco no “eu” que ergueram o modo de viver Ocidental precisam ser revistos para que tenhamos um futuro mais harmonioso.

    Enquanto psicólogo tento sempre trabalhar com este enfoque: auto conhecimento para podermos viver as relações de uma forma mais rica. Este artigo é uma maneira profissional e pessoal de mostrar o quanto me preocupo com isso – esta é a minha parte emocional – e procurei através de uma leitura simples de alguns conhecimentos da área de psicologia, neurologia, marketing e sociologia fazer uma costura entre o meu sistema límbico e o meu córtex. Espero que você leitor, se aguentou até aqui, tenha gostado, se intrigado, concordado ou discordado, mas que a sua mente e o seu coração possam ter sido atingidos de alguma maneira pelo texto e que, você possa compartilhar comigo aquilo que pode refletir sobre o que leu e pensou. Assim começamos a construir diálogos e pontes.

     

    Referências:

    1. http://www.cineclick.com.br/galerias/falsas-mortes-de-celebridades/3
    2. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital. São Paulo: Novatec, 2009.
    3. http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/861996-sucesso-na-web-sites-de-noticias-falsas-viram-programas-de-tv.shtml
    4. Santos, Jair Ferreira. O que é pós moderno?
    5. Goleman, Daniel. Inteligência emocional
    6. Bauman, Zygmunt. Vida Líquida
    7. Bauman, Zygmunt. Globalização
    8. Bauman, Zygmunt. Amor líquido
    9. Bauman, Zygmunt. Vida para consumo
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