• 25 de dezembro de 2020

    A falta como motivação

    – Mas eu não entendo, porque eu não vou para frente?

    – Sabe sim. O que acontece?

    – Eu começo empolgado e depois deixo tudo de lado.

    – Exato. Agora o ponto é: qual a importância dessas coisas que você começa e deixa de lado: elas são muito importantes de fato?

    – Não, nem sempre. Boa parte das vezes, faço para matar tempo.

    – Exato, o que te falta então?

    – Não sei, não sinto falta de nada!

    – Exato!

     

    Buscamos pela satisfação, o desejo de estar o tempo todo saciado. Porém, este desejo é uma ilusão, pois não tem relação com a maneira pela qual a realidade é. A satisfação so pode vir depois que algo é preenchido e para que isso ocorra é necessário sentir a falta de algo. Sem isso, tentamos “preencher” apenas falsos buracos.

    A necessidade é uma forma simples de perceber isso. A fome, por exemplo, nos dá uma evidência clara de que nosso corpo está precisando de alimento, se você ficar algumas horas sem comer, também sentirá “um vazio no estômago”, que corresponde a sensação de “muito ácido e pouca comida” lá. Isso nos motiva para buscar comida e saciar a fome, após a refeição podemos sentir que estamos saciados, pois preenchemos “a coisa certa”.

    Algo semelhante ocorre em nossa vida emocional e psíquica. Muitas pessoas “querem agir”, olham as propagandas e os anúncios da mídia e pensam: “meu Deus, estou ficando para trás”. Querem agir, mas não querem sentir a falta. Isso é diferente da sensação de medo causada por estes anúncios. Alguém motivado pela falta e pelo medo agem de formas diferentes. Neste caso que trouxe, o medo faz a pessoa correr atrás “porque sim”, “porque todos estão falando”, mas não pelo motivo de perceber, de fato, o que a pessoa quer e onde deseja chegar com isso.

    Sentir falta de algo, necessidade de algo, nem sempre é uma tarefa emocionalmente prazerosa. Muitos, inclusive, se afastam dessa tarefa justamente porque ela não nos satisfaz. O ponto é que sentir a falta não é para ser prazeroso ou para nos satisfazer, é justamente o contrário: sua importância é justamente nos incomodar, pois isso é o que impulsiona nosso comportamento para frente. A falta, neste sentido é uma necessidade de um sistema emocional e psíquico sadio.

    Ao nos permitirmos sentir falta, entramos em contato com aquilo que nos faz falta. Embora soe redundante, não é: existem muitas pessoas que tentam preencher a “falta” dos outros, da sociedade, de algum professor, pai, mãe, filho ou conjugue. Esta tarefa, além de impossível, também não faz bem. A falta sentida por nós fala sobre a nossa vida, o nosso papel neste mundo e os desejos que podemos ter. Assim sendo, ao sentir falta e necessidade, entramos em contato com aquilo que nos energiza e nos preenche, e isso é o ponto mais importante.

    Pois ao fazê-lo, passamos a compreender melhor nossa dinâmica, assim como aquilo que realmente nos faz falta ou é importante para nós. O desejo passa a se tornar parte de nossas vidas, sentir falta, embora incômodo, passa a ser algo sentido com prazer, porque é o primeiro passo para buscar. Esta busca é o que realmente nos dá prazer e não a satisfação em si. Esta, na verdade, encerra o ciclo do prazer, para, mais tarde gerar novas faltas.

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