• 9 de agosto de 2021

    A ilusão do “faça mais”

    – Eu estou me sentindo mal, porque eu faço um monte de coisas, mas…

    – “Não resolve nada”?

    – É, como se fosse isso.

    – Especificamente, o que você sente em relação ao que você faz?

    – Eu acho legal tudo o que estou fazendo… mas a sensação é que preciso fazer mais.

    – Porque “mais”?

    – Não sei.

    – “Mais” é o termo correto ou fazer algo que “realmente conta”, definiria melhor.

    – Não tinha parado para pensar nisso até agora… mas faz sentido.

     

    “Faça mais e melhor”, “carpe diem”, “a vida é para ser vivida”. Todas essas frases referem-se ao mesmo tipo de questão: você tem que fazer mais. Porém até que ponto é realmente necessário fazer mais? Se não fizermos “mais coisas” não vamos estar perdendo tempo de vida? Essas perguntas são uma das bases da angústia emocional da sociedade contemporânea.

    Eu assisti “A sociedade dos poetas mortos”. Adorei o filme, tinha 12 anos quando assisti e fui rapidamente assombrado com a ideia do tal “Carpe Diem”. Era verdade, eu tinha que aproveitar minha vida, não podia deixar para depois, eu ia “me tornar comida para vermes logo”, o que fazer? Como saber que eu estaria vivendo o “carpe” de minha vida? Como saber se ela era extraordinária? A resposta à estas inquietações não veio logo, obviamente, apenas anos depois eu poderia repousar com a cabeça mais tranquila e sentir que, com isso, estava “aproveitando o tempo”.

    Entendi, com isso, que o mais importante é o valor da atividade que você faz. Este valor é o que a torna (ou não) “extraordinária”. Uma viagem maravilhosa para o Caribe com muita festa e animação pode ser o que você crê ser incrível, mas para uma pessoa introspectiva, por exemplo, fazer o caminho de Santiago de Compostela pode ser muito mais interessante. Hoje em dia, temos acesso à muitas atividades. Este acesso é um problema, porque associado à uma cultura consumista, cria a impressão de que para “viver a vida” temos que fazer tudo isso (ou estaremos jogando a vida fora).

    O ponto é que a sensação de vida bem vivida não foi criada hoje. Desde a Grécia já se falava em “felicidade”. Assim sendo, esta emoção, assim como a sensação de ter uma vida com sentido, não tem nada a ver com a quantidade de atividades que fazemos (e muito menos se elas são super divertidas ou se foram partilhadas no facebook). Há uma diferença entre fazer “muitas coisas” e fazer o que lhe importa. Então recebo muitos clientes que dizem fazer muita coisa e não estarem felizes, e pergunto se eles querem fazer tudo isso. Eles retrucam dizendo que fizeram tudo aquilo, logo a felicidade deveria ter vindo, não é?

    Não. Não é. Neste momento faço uma comparação (tosca eu sei): se tenho sede e vou caminhar, mato a minha sede? Não, a resposta é obvia. E se depois eu for ver um filme, comer pipoca, voltar para casa e ir para a academia, ler um livro e ir numa festa? Se eu fizer tudo isso, eu mato minha sede? Não. Porque? Porque a sede precisa de uma única ação: beber líquido. Assim as pessoas vivem suas vidas “fazendo coisas”, mas sem olhar para o mais importante: se elas querem fazer isso. Se estas atividades são, de alguma maneira realmente importantes para ela. Se o que você tem feito, realmente mata a sua sede, ou não.

    E não adianta tomar por base premissas culturais, ideológicas, do colega, do tio ou da filosofia de vida que você quer usar, ou do artista que você admira. Ou a coisa lhe empresta sentido de vida ou não. Porque? Porque nós é quem damos sentido às “coisas”. “Fazer mais”é uma ilusão que nos cega para “o que queremos fazer” ou “o que temos que fazer”. Quando tenho sede, tenho que beber líquidos, água, de preferência. Não adianta outra coisa. Quando nosso vazio urge, algo irá preenchê-lo. Aquele algo e não qualquer algo. Ou ouvimos e buscamos ou deixamos de lado e ficamos “fazendo coisas”.

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