• 23 de dezembro de 2020

    A relação começa com a frustração

    – Eu não sei Akim, não vejo mais que é uma boa ficar na relação… estou frustrado.

    – Sim, assim como nas duas últimas relações, percebe?

    – Você falou isso da última vez, o que vê de tão igual?

    – Acabou a relação ou o que acabou é a paixão?

    – Ah… agora ela reclama de algumas coisas e não quer mais fazer tudo sempre.

    – E você, não reclamou de nada? Está super disposto para tudo o tempo todo?

    – Não… mas… ah, sei lá, não!

    – A paixão se foi, agora, novamente, vem a realidade diante de você, a pergunta é: vai encarar o real ou fugir dele novamente?

     

    Costumamos associar o começo de nossas relações com aqueles momentos maravilhosos aos quais chamamos de paixão. O desejo ardente e forte de cada um pelo outro e as inúmeras juras e planos que são feitos nesse momento nos dizem que é assim que a vida deveria ser vivida. Porém as relações não ficam aí para sempre e logo vem a realidade com as diferenças, cobranças e, sim, a relação de verdade.

    Relacionar-se é, em primeiro lugar, encontrar com aquilo que não sou eu. Só podemos nos relacionar com o que é diferente e está distante do eu, senão não seria uma “relação com alguém”, seria apenas “eu”. Quando estamos apaixonados esta distinção entre quem somos e quem é o outro torna-se pequena. Esta é a “função” da aixão, criar um momento em que duas pessoas estão tão vinculadas que não sentem esta separação entre os seres. Isso é importante para criar os vínculos iniciais.

    Porém, a medida que o tempo passa o estado de paixão cessa. Neste momento é que as duas pessoas começam a se observar, encontrar defeitos e características um no outro e perceber este outro com um pouco mais de realidade e imparcialidade. Este também é o momento em que as frustrações começam. Claro, pois é neste momento em que o outro e os limites desta=e também surgem. Porém, como disse anteriormente, neste momento é que o outro começa a ser o outro e, portanto é neste cenário que a relação pode começar a ocorrer de verdade.

    Queremos alguém que seja perfeito para nós, ora pessoas não são produtos de supermercado, elas não estão aqui para atender a demanda do freguês. Estão aqui para ser quem são, por assim dizer. A percepção dessa realidade nem sempre é fácil e muitas pessoas, ao saírem da paixão não dão conta de um relacionamento. Conseguir sustentar a frustração de que o outro é o outro (e não a varinha mágica que fará de sua vida melhor) é um importante fator para manter um bom relacionamento.

    É óbvio que isso não pode se tornar uma desculpa para aguentar mal tratos ou permanecer indefinidamente em uma relação que não irá para frente. Porém, com estas excessões, a frustração marca o começo das relações porque é ela quem nos mostra sem sombra de dúvida que ali, diante de nós, existe outra pessoa que é, até, capaz de nos frustrar. Enquantto permanecemos no delicioso abraço da paixão, não temos o outro com quem nos relacionar, o sentimos apenas enquanto uma extensão do eu, mas é preciso mais que isso para a relação fluir.

    Esta percepção de alteridade (diferença entre um e outro), de separação e distância, regras e limites de um e do outro são os primórdios daquilo que chamamos de relacionamentos. Queremos deixar de ter com isso, pelo desejo infantil de ficar apenas com o prazer dos relacionamentos. O desejo é infantil pelo fato de não corresponder com o real, pessoas não são uma fonte infinita de prazer interminável, são pessoas. Assim sendo elas “vem com” seus limites, assim como nós temos os nossos. Realizar isso é fundamental para relacionamentos verdadeiramente maduros.

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