• 28 de setembro de 2020

    Ao real, digo “não”

    – Mas é… eu não consigo pensar diferente.

    – Sim, eu sei. Procure apenas deixar de lado suas expectativas.

    – É difícil… como é que eu vou aceitar o que aconteceu ao invés daquilo que eu estou querendo?

    – Também não sei, mas o que está acontecendo é real. Como é isso para você?

    – Completamente desanimador.

     

    Cada vez mais tem se tornado comum olharmos para a realidade com desdém. Pensamos em tantas possibilidades muito mais interessantes do que aquela que se mostra diante de nós que não conseguimos aceitar aquilo que ocorre. Porém, negar o real, também é negar-se real e não ideal. Em outras palavras: quem não toma para si a realidade, também não sabe se aceitar.

    Cada vez mais nossa cultura nos impele a olhar para os ideais. Olhar para uma ideia de como o mundo deveria ser e de como as pessoas deveriam se portar. Temos tido, junto com isso, acesso à um mundo virtual onde muitas expectativas são parcialmente satisfeitas, nos dando a ilusão de que um mundo puramente ideal é possível. Um mundo sob nosso completo controle. Enquanto olhamos para isso, deixamos de lado informações preciosas sobre o mundo tal como ele realmente é.

    Quanto mais negamos o real, mais tudo se torna confuso. Ocorre que os ideais nunca levam em consideração aquilo que existe ou a maneira pela qual o mundo funciona, o ideal procura impor sua percepção sobre o mundo. Ocorre que algumas vezes o ideal combina com algo que é possível, neste caso, torna-se viável seguir uma ideia. Porém, quando isso não é possível ou necessário, temos problemas. O principal deles é aceitar que a realidade tem “outros planos” sobre como as coisas devem ocorrer.

    Um exemplo típico disso se dá nas relações sociais. É muito comum que as pessoas tomem sua expectativas e desejos sobre os outros como imposições de como eles devem ser ou se portar. A negação da realidade nos faz cegos ao movimento dos outros, neste caso. Negamos aquilo que é a essência deles. Então torna-se difícil se relacionar. Queremos outra pessoa e não aquela que está ali diante de nós. Muitas vezes, em consultório preciso lembrar as pessoas de que os outros são os outros.

    Outra consequência é que ao negarmos a realidade, também nos negamos. Afinal de contas, por mais que desejemos ser “mais” ou “melhores”, o fato é que somos quem somos. Temos as competências que temos e as dificuldades também. Não se trata de “não poder evoluir”, mas sim em aceitar o seu momento atual. Isso tem profunda relação com pessoas que não conseguem, por exemplo, celebrar suas conquistas. Acreditam que se o fizerem vão deixar de evoluir quando, na verdade, apenas e afastam ainda mais delas mesmas e de toda possibilidade de evolução.

    Não sou contra ideais ou ideias, particularmente sou uma pessoa bem apegada a elas. Porém, o fato é que quando a realidade surge, precisa ser respeitada. A realidade, tende a ser sempre mais complexa do que o mais ousado de nossos sonhos e fantasias. E o faz com simplicidade, apenas sendo o que é, do jeito que é. Por isso, ao aceitar o real, não nos tornamos menores, pelo contrário, há um empoderamento de nosso ser pelo fato de nos tornarmos algo possível.

     

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