• 28 de setembro de 2015

    De que crise você está falando?

    Os brasileiros estão falando da crise. Qual? A crise na economia e política brasileira? Esta é uma bela opção: recheada de maracutaias, idas e vindas de julgamentos que terminam em pizza, governo lutando para manter sua supremacia, povo indignado com as reviravoltas nas notícias, surgimento e morte de heróis em ambos os lados.

    Porém, se você é um amante da crise levante seus olhos, pois o mundo está cheio delas e você não precisa ficar apenas com o Brasil e a América Latina que, de certa forma, passam por crise semelhante.

    A Europa, por exemplo, tem amargado uma crise antiga. Não, não se trata dos imigrantes refugiados, o real problema é a xenofobia que parece morar no coração dos europeus sempre que uma crise economica passa. Ciganos, judeus, muçulmanos já passaram pelo mesmo “status” de “precursores do caos” que os “simples” imigrantes tem recebido. A crise se dá pelo fato de que os políticos temem perder votos caso façam aquilo que devem – e podem – fazer. Porque perderiam votos? Por aceitar os imigrantes que iriam “roubar” o trabalho dos europeus.

    Outra crise é a da intolerância, um dos grandes motivos pelos quais as pessoas estão querendo ir para a Europa. O Oriente Médio e a África estão com esta crise atualmente. Além das “habituais” pobreza e guerras, os conflitos étnicos e religiosos agora assumem proporções ainda mais desumanas. E isso que não recebemos muita informação vindas de lá. Creio que a fotografia do menino morto na praia da Turquia seja de uma possível “beleza estética” frente aos horrores pelos quais essas pessoas estão passando em “seus” – será que podemos usar esta palavra? – países de origem (e na fuga dos mesmos).

    Outra crise, caso você ainda não tenha ouvido falar, paira em comentários de especialistas – os mesmos que não foram ouvidos antes – nos EUA e na Europa – esta, pelo jeito ganhando o ranking com várias crises ao mesmo tempo – sobre uma nova bolha economica. Sim é isso mesmo! Nos EUA Alan Greenspan já deu o alerta e o alvo, agora, é o mercado de títulos norte americano. Já na Europa, Wolfgang Schaueble, ministro das finanças alemão, profetiza dizendo que “é certo que estamos nos movendo em direção à próxima bolha”.

    Se você faz o tipo um tanto paranóico, talvez deva olhar para o extremo oriente, onde China, Japão e Coréia tem se reuniram recentemente para “olhar diretamente para a história e seguir em frente para o futuro”. Mas que crise viria disso? Bem, vamos juntar à isso o fato da China ter se tornado a 3 maior vendedora de armamentos no mundo, ter aumentado em 10% os investimentos no poderia bélico chegando à 145 bilhões de dólares em 2015, fato que preocupa os americanos. Adicione o fato dos japoneses estarem dizendo às suas universidades para fecharem cursos na área de humanas e investirem em cursos que “atendam as necessidades da sociedade” conforme colocou o ministro da Educação japones. Deixe este caldo cozinhar durante algum tempo e você poderá ter um Oriente fortemente armado, com poder economico nas mãos desejando avançar com a sua forte ideologia para cima do Ocidente o qual, fraco, não poderá resistir muito tempo. Sim, sugere-se a possibilidade de conflitos armados.

    Como disse anteriormente, levante os olhos, muitas crises estão presentes para você se deliciar. Porém, se você realmente gosta de crises, sabe que elas são momentos naturais em que as antigas estruturas colapsam e precisamos nos reinventar para conseguir uma nova forma de agir que nos impulsione adiante. Assim, o que poderíamos aprender com todas essas crises que estamos vivendo hoje? Humildemente, tentarei dar, aqui o meu pitaco sobre todas estas tramas.

    Existe uma palavra que eu creio estar por detrás destas crises: consumo. Não o ato de consumir propriamente dito, mas a organização de nossa sociedade em torno deste ato. Crises em geral falam de hábitos que tornam-se inadequados e, então, o hábito acaba com o sistema que o gerou.

    Creio que a grande lição que temos para aprender com todas estas crises é que o consumismo atingiu seu limite e não pode continuar assim. Mas, o que o consumismo tem a ver com todas essas crises? As ligações mais óbvias que são as economicas nos EUA e na Europa, assim como a na América Latina, mostram que o modelo de consumo gerou demandas que o capitalismo não está pronto para suportar. O desejo pelo consumo tem acabado com a base que possibilita o consumo.

    Já as crises xenofóbicas, étnicas e religiosas incidem no consumismo de uma maneira mais sutil. O consumismo cria uma relação de mercadoria entre as pessoas. O “outro” torna-se um produto à ser consumido ou descartado. Produtos “ruins” – como pessoas de religião diferente e estrangeiros – devem ser descartados. O tema é amplamente estudado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, ele mesmo, um exilado político.

    Porém outro aspecto sobre o consumismo merece atenção. Pelo seu caráter expansionista ele invade as culturas e doutrina as pessoas e governos a seguirem os seus passos. Daí que culturas que não são favoráveis aos avanços do consumismo tornam-se cada vez mais hostis e intolerantes à qualquer elemento que julguem esta favorecendo o “outro lado”. O consumo tem aumentado a tensão que já existia entre as culturas, assim como a intolerância entre elas o que leva à criação de grupos extremistas (tem percebido como eles tem proliferado?).

    A China neste cenário tem se dado bem pelo fato de estar produzindo os bens de consumo. Seu crescimento está diretamente ligado aos desejos de consumo e de lucro das empresas. Assim a sociedade de consumo busca novos horizontes para poder consumir mais e termina por dar poder à este horizonte que pode acabar virando-se contra ela – caso você seja uma dessas pessoas mais paranóicas.

    Já o Japão deixa claro que o entendimento que eles tem de sociedade deve ser muito diferente daquele que eu – pelo menos – tenho. Eles terem dito às universidades que os cursos de humanas devem ser fechados ou re organizados afim de melhor servir à sociedade é uma atitude que me faz perguntar: mas quem criou o termo “sociedade”, a área de exatas? É risível a noção de que a área de humanas não “sirva” à sociedade. A não ser que eu entenda sociedade como sociedade de consumo.

    Aí a coisa muda de figura porque se o indivíduo deixa de ser um humano torna-se o consumidor, realmente, faculdades como psicologia, filosofia, direito e antropologia não são necessárias. Pode-se, talvez sentir falta do marketing. Porém, para que ter faculdades que permitam às pessoas refletirem, se podemos anexar inúmeras bugigangas tecnológicas e aplicativos que lhes digam tudo: desde a hora de acordar, até o momento de ir no banheiro e de gozar numa relação sexual? Muito mais interessante deixar a máquina nos comandar como em “Wall-E” do que termos que pensar nisso tudo, não é?

    A Crise com “C” que realmente me chama a atenção em todos estes cenários é a Crise de identidade: quem é o humano? Somos aquilo que consumimos, “consumo, logo sou”? Ou como diria Bauman, o homem que escolhe? “Escolho, logo sou”, o que carrega a ilusão de estar escolhendo, mas que não tem a liberdade para desejar não fazer as escolhas impostas pela cultura de consumo.

    A necessidade consumir tudo o que aparece, parece ter acabado com a humanidade que existe na sociedade, substituindo esta por uma moral de mercado (porque preocupar-se com humanos quando temos consumo). Então, não importa se bolhas forem criadas, se pessoas vão morrer nos hospitais por falta de recursos ou se países vão massacrar pessoas por diferenças religiosas. O que importa é que, ao final, eu terei minha nova camera de filmagem (isso, porque, ao escrever este artigo, estava lendo um artigo sobre a crise humanitária e, logo abaixo do artigo, havia um banner de compre sua nova câmera).

    O que está em crise é a nossa capacidade de sermos humanos. Se esta habilidade estivesse um pouco mais desenvolvida não permitiríamos que pessoas dotadas de um senso pequeno de comunidade desfrutassem de maneira destrutiva dos potenciais economicos do mundo. Não entenderíamos as pessoas como objetos sujeitos à pergunta: descartável ou não?.

    Re construir esta habilidade, no entanto, parece cada vez mais difícil. Como perguntou Joseph Campbell em sua entrevista com Bill Moyers, “vou dizer “sim” para a máquina ou “não” para a máquina?”. Talvez a resposta não seja tão simples, afinal de contas a máquina do consumo tem crescido porque as pessoas tem consumido. Parece que existe no humano uma necessidade de consumir. Talvez, possamos perguntar: vou dizer sim para a maturidade do meu consumo ou não para ela?

    Esta me parece ser uma pergunta um pouco mais adequada para este momento. O que precisamos é amadurecer o que temos feito até aqui. O consumo não é um problema em si, poré torna-se um problema quando é o alvo de tudo o que fazemos. Desta maneira, creio que um dos grandes problemas para resolver a crise será: o que a sociedade de consumo está disposta a perder para recuperar sua humanidade?

    Como em Wall-E os seres humanos tiveram que re aprender a ficar de pé e tomar decisões para “vencer a máquina”. Perderam o conforto de seu lugar pacífico no espaço sideral e voltaram à uma terra devastada para tentar recuperar sua antiga glória, destruída, anos antes, por seus próprios ancestrais que se envolveram tão profundamente no consumo que consumiram o planeta.

    Um exemplo – ousado – de como isso poderia ser praticado: tenho visto os especialistas mostrando como lucrar com a crise e como não perder dinheiro. Como seria se eles dessem dicas de “onde investir para salvarmos o Brasil”? Poderia este exemplo servir como uma maneira de pensarmos em consumo, economia e ainda no nosso contexto? Economia e humanidade, juntos? Sim é possível, eu acredito e você?

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