– Mas é que… eu sinto falta sabe?
– Sei sim.
– Eu fico confusa… eu sinto falta, mas daí quando estou lá… quero ir embora.
– Sim. Qual é a confusão?
– Porque que eu sinto falta e quando estou lá quero ir embora?
– Porque não?
– Ué, meio contraditório né?
– Depende. Se encarar isso como só pode um ou outro sim.
– E como eu devo encarar?
– Não sei, mas te sugiro imaginar que talvez você sinta as duas coisas em relação à mesma situação.
– Que coisas?
– Desejo e medo, oras. Faz sentido?
– Sim.
– Então lhe pergunto: o que lhe faz desejar isso e o que lhe faz temer isso. Me parece viável sentir duas emoções em relação a mesma situação.
– É verdade.
Muitas pessoas reclamam que não tem algo e quando conseguem, reclamam novamente ou deixam a coisa de lado. Uma das explicações sobre este tipo de comportamento refere-se ao medo velado que temos daquilo que queremos. Afinal, como diziam os gregos: “cuidado com o que deseja, os deuses podem conceder-lhe”.
Em posts anteriores sobre emoções falei que o mesmo estímulo é capaz de provocar diversas emoções. Isso ocorre porque dependendo do ponto de vista que temos sobre o estímulo captamos características específicas dele, cada uma dessas características pode provocar várias emoções. O estímulo, vale lembrar, não precisa ser externo. As emoções também tem como base estímulos internos como sensações, percepções, sentimentos e pensamentos. É o caso, por exemplo de pessoas que sofrem com ansiedade, muitas vezes o estímulo que causa a emoção é um pensamento sobre o futuro.
O desejo é um tipo de “estímulo interno” que pode causar várias emoções. Desde a excitação para buscar aquilo que queremos até o medo do que desejamos. O mais comum é que as pessoas sintam-se excitadas frente à um desejo genuíno, porém é comum sentir medo daquilo que se deseja. A emoção do medo, nem sempre aparece de maneira clara, principalmente em pessoas pró ativas. Nestes casos ocorre uma grande confusão e a pessoa não entende o que está acontecendo, afinal de contas, porque eu teria medo do que quero?
O maior problema é o desgaste que essa situação causa. Ao mesmo tempo que as pessoas buscam se aproximar daquilo que querem, desejam, também, afastar-se. Ou, ao conseguir, tratam com certo desdém e terminam por deixar de lado a conquista e perdem-na. Ao perder, buscam novamente. O medo, neste contexto é o que faz a pessoa ter uma atitude de afastamento ao aproximar-se daquilo que quer. Os motivos do medo são vários. A reflexão básica é: o que há para ser temido na conquista ou com a conquista?
Algumas vezes as pessoas temem não conseguir sustentar aquilo que conseguiram. Caso típico em namoros e abertura de empresas. Ao conseguirem, o medo de perder faz com que as pessoas tratem a conquista com desprezo e terminem perdendo. Outro motivo é que a conquista deixa a pessoa em um nível de status que sua auto estima não consegue dar conta. Explico: se a auto imagem que a pessoa tem de si é muito pejorativa, ela não conseguirá dar conta de “estar bem”, ou de ter feito algo bem. Este feito, simplesmente não “encaixa” com o que ela pensa sobre si. Assim sendo, tem atitudes de auto sabotagem.
Por fim, também podemos pensar que o desejo pode nos afastar de pessoas de quem não queremos estar afastados. É o caso típico de um estudante que vai para outra cidade, deixando para trás pais, amigos e comunidade. Várias vezes a pessoa é estudiosa e conseguiria passar em um vestibular, mas na hora “dá branco” e “é sempre assim”. O motivo não é falta de estudo, mas sim, falta de lidar com o medo em deixar sua vida atual para trás. Reconhecer o medo para lidar com ele é fundamental em todos estes casos. Para cada um deles uma tarefa diferente, porém o que é comum à todos é a necessidade de encarar o desejo sob vários pontos, afim de ter uma noção bem realista daquilo que é desejado e de suas consequências.
Abraço
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