• 1 de novembro de 2017

    Detalhes

    – Eu ouvi o seu problema. Agora quero saber: no que você quer ajuda?

    – Eu não sei direito… estou cansado… queria que isso…

    – Que isso o que?

    – Sei lá, sumisse…

    – Olhe para mim.

    (ele olha)

    – Peça, faça o seu pedido.

    – Pedir?

    – Sim, você tem um pedido sobre “isso” não tem?

    – Eu fico meio envergonhado…

    – Sim, mas fale, fale e se ouça.

    – Akim… você poderia tirar esse problema da minha frente?

    – Ótimo… como se sente ao dizer?

    – Envergonhado.

    – Porque?

    – Eu sei que não é você quem pode tirar isso… sei que é infantil de minha parte pedir isso.

    – Você também sabe que tem muitas dificuldade em pedir ajuda não é?

    – Sim.

    – Que tal perceber nisso, um pedido de ajuda de quem não sabe fazer isso direito, ou, quem sabe, de alguém que está dizendo: “não consigo lidar com isso, é muito maior que eu”.

    – Essa última frase faz sentido, mas eu não gosto de admitir isso.

     

    Diz o ditado, que o diabo mora nos detalhes. Saber prestar atenção aos detalhes é o que diferencia a escuta comum da escuta profissional atenta. Embora as pessoas desejem, muitas vezes ignorar ou dizer que o detalhe não é tão importante assim, a prática mostra que é exatamente nele que estão as chaves para a mudança.

    Mas porque o detalhe é assim, tão importante? Em geral costumamos entender os detalhes como o fim, sem importância, de um projeto. Dizemos “ah, isso são meros detalhes”. Não reconhecemos os detalhes como parte integrada e, com esta percepção deixamos eles de lado. Porém o fato é que eles são parte constituinte do todo e, muitas vezes, definidora do mesmo. Quando uma pessoa fala, por exemplo, não é a toa que ela escolhe as palavras, a sequência e principalmente aquilo que ela não fala. Prestar atenção à este todo de maneira sensorial é fundamental para ter uma escuta aprimorada.

    A questão é que damos, na maior parte das vezes, interpretações ao que ouvimos das pessoas. Elas nos dizem coisas, interpretamos a nossa maneira e dizemos “entendi”. Porém, quando ouvimos o que o outro diz e criamos uma imagem em nossa mente que é fiel ao que ele diz, sem interpretar, apenas realmente buscando encaixar as palavras e imagens, muitas informações aparecem. Isso é o que se chama “ouvir sem julgar”. Ao fazer isso, percebemos os detalhes. Pequenas incoerências, palavras que se mostram com duplo sentido e “espaços” que parecem precisar de mais informação. Disto, surgem as perguntas.

    Não se trata de criar pelo em ovo. Algumas vezes uma ou outra palavra são circunstanciais, saber fazer esta diferença também é importante. Porém, uma porção de literalidade faz maravilhas ao ouvido. Por exemplo, há uma diferença entre dizer “quero resolver isso” e “devo resolver isso”. Querer e dever são dois verbos muito distintos. O primeiro nos leva a questionar a motivação, o segundo à quem a pessoa está devendo algo. O primeiro olha para o futuro e o segundo ao passado. Em geral, no primeiro vamos atrás da solução, no segundo vamos dar um passo para trás e falar sobre auto estima.

    É apenas uma palavra, um detalhe, porém quando ouvimos literalmente a palavra, permitimos que ela crie imagens muito diferente pelo fato de serem imagens diferentes. Muitas vezes o simples fato de apontar para isso já ajuda a pessoa. É muito comum, em consultório, que ao perguntar à pessoa “você deve… deve à quem?” ela própria já perceba as relações internas que faz e diga, por exemplo: “eu me cobro muito”. Neste sentido, a queixa inicial dela se modifica, ou melhor dizendo: se aprofunda. Esta palavra, o detalhe se mostra, então como o fundamento. E esta é a percepção importante sobre os detalhes: eles são, na verdade fundamentos, e é isso o que o ouvido treinado sabe perceber.

    Você também pode se treinar nisto. Tome seus pensamentos, da maneira pela qual eles ocorrem e escreva em um pedaço de papel. Ou melhor: grave-os e coloque na gravação a mesma entonação que você usa em sua mente. Ao ler ou ouvir depois seus próprios pensamentos, tente perceber quais são as palavras que se forem mudadas alteram completamente o sentido do que você diz. Perceba, na sua entonação onde está a ênfase. “Quero resolver isso”, onde a voz é mais forte? A entonação nos fala sobre onde sua atenção está, muitas vezes, este é o problema. Temos a intenção certa, focando no lugar errado. o resultado? Manutenção do problema. Com este tipo de exercício você pode aprender a ter uma percepção mais sensorial sobre o que diz, não se trata de interpretar, dar significados ao que falou, mas sim em deixar a frase, tal como foi dita gerar uma imagem. Com isso percebe-se a realidade interna que você cria em sua mente, suas possibilidades e seus limites.

     

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