• 20 de outubro de 2017

    “Deu porque quis” (ou o medo de ser grato)

    – Mas Akim, eu não vou ficar me matando só porque ele me deu aqueles negócios lá.

    – Eu sei.

    – Então, o que tem a ver uma coisa com a outra: porque ele fica me cobrando?

    – Não sei se é ele quem te cobra.

    – Você acha que eu me cobro?

    – Sim.

    – E porque faria isso?

    – Porque, para você é muito difícil sentir-se grato à ele.

    – Ah Akim, mas… é aquela coisa, eu agradeci, mas assim: ele deu porque quis… eu não devo nada a ele.

    – Esse é o problema, você deve, sabe que deve, mas não gosta de assumir isso. Aí projeta, nele, a sua cobrança.

    – Mas eu até agradeci ele!

    – Mas eu “até” agradeci ele. “Até”… nossa… quanta coisa hein? Não sei, mas me parece que agradeceu mais por obrigação do que de coração.

    – Eu realmente não gosto de falar muito disso.

     

    Alguns anos atrás se popularizou a ideia de que as pessoas escolhem umas às outras e que nada deve ser feito por obrigação. Se você dá algo, tem que ser sem esperar nada em troca. É bonito pensar assim, porém também é um tanto irrealista, visto que a estrutura básica das relações é a troca.

    Isso, junto com uma sociedade cada vez mais mimada e consumista cria o cenário ideal para uma das emoções mais importantes da humanidade tenha cada vez menos lugar em nossas vidas: a gratidão. O que a ideologia que citei acima tem conseguido é criar pessoas mimadas (volto a insistir) que não conseguem olhar para nada além do seu umbigo e também extremamente orais no sentido de querer sempre mais e mais sem dar nada em troca, afinal de contas, ninguém dá nada por obrigação, então, não devo nada à ninguém.

    O problema desta premissa, como já falei é que ela acabou criando uma aversão social à gratidão. Sentir-se grato à alguém tornou-se um sinônimo de burrice, como se fosse um pedido voluntário de escravidão permanente. Nesta lógica, se você é grato à alguém se tornará menor que essa pessoa e ela conseguirá “te dominar” ou “te escravizar” pelo que fez. Esta ideologia tola não leva em consideração que a natureza das relações é de troca. Assim sendo subverte a gratidão à algo que ela não é tomando por base uma análise histórica que, no fundo, não explica de maneira certa o que ocorre em relações pessoais.

    Ser grato não é tornar-se escravo de ninguém. Pelo contrário, a gratidão “liberta” (se formos fazer a analogia). Ser grato implica em reconhecer que, frente à algo que recebemos, tudo o que poderíamos fazer é agradecer. O problema com a gratidão, em geral vem quando as pessoas recebem algo que sabem que não tem como retribuir. Assim sendo ao invés de buscarem a gratidão, se defendem dessa emoção negando-a e fingindo que nada devem ou querendo agradar o outro demais. Ambos comportamentos são formas de negar a gratidão e a “diminuição” do ego que vem dela.

    O ego “diminuído” é aquele que sabe seu tamanho de verdade e se coloca dessa maneira na relação. Assim sendo, é a pessoa que assume: “fico feliz em ter recebido isso de você, não tenho como lhe dar o mesmo em troca, mas assumo isso mesmo assim, com muita gratidão”. Porém, isso não são apenas palavras, é uma atitude pessoal. Simples e humilde. É o que é. Ao fazer isso, dá-se algo à quem nos deu algo: reconhecimento. Isso pode parecer pouco, porém é fundamental. Este reconhecimento alimenta as relações.

    Assumindo o papel de advogado do diabo, digo que sim, “quem deu, deu porque quis”. Porém isso vale para ambos os lados não? Se eu recebi, também recebi porque quis. E se quem dá, dá porque quer. Qual o problema em dar gratidão? É de graça, ou seja, você não desembolsa dinheiro algum para ser grato, apenas, talvez um pouco de ego inflado. Agradecer nunca diminuiu ninguém, e sempre colocou as relações em patamares mais elevados. Por fim, ser grato também melhora nossa vida ao conseguirmos perceber quanto somos afortunados por receber algo, seja da vida ou de alguém.

    Abraço

     

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