• 27 de janeiro de 2021

    Gente perfeita não muda

    – Mas eu não sei como fazer isso!

    – Você não quer, é diferente.

    – Como não quero? Olhe só o que isso me causou.

    – Sim, eu sei que você sabe da dor que isso te traz, mas saber que você está “errando” é diferente, você não acha que está errando.

    – Eu não sei… é que ela poderia… sei lá.

    – Vê? Neste ponto, você sempre dá um passo para trás. Diga: “eu sei que errei com ela” e me diga como se sente.

    – Preciso dizer isso?

    – Se você realmente não vê problemas em assumir seu erro, nem me parece uma tarefa difícil. Mas me diga: o que sentiu quando te pedi para fazer isso?

    – Como se fosse um nojo… tipo: pra que?

    – Nojo, isso, ou seja, um sentimento de dizer aquilo é algo “tóxico”, não?

    – Algo assim.

    – Então você considera dizer: “sei que errei” algo tóxico?

    – Pois é…

    – E me diz que quer mudar isso?

    – Ai… é difícil…

     

    A busca pela perfeição é uma corrida inglória. Em primeiro lugar porque não é possível, em segundo, porque ela nunca possui uma imagem concreta definida (o que é ser perfeito, afinal?) e em terceiro lugar porque nos coloca longe de sermos o que realmente somos: humanos.

    E enquanto tal, erramos muito. Muito mesmo, e talvez, por causa disso é que nós tenhamos evoluído tanto. Ao perceber nossas inúmeras necessidades criamos ferramentas e estruturas que nos ajudam, ao perceber nossos limites criamos formas de ir além deles e ao perceber nossa impotência diante de muitos fatos do mundo, aprendemos a nos enlutar. Os seres humanos não apenas olham para suas necessidades e limites, como criam formas de ir além deles. Os perfeitos não fazem isso.

    E porque fariam? Afinal são perfeitos. Se alguém assume esta identidade, porque irá se preocupar com seus limites? Ele provavelmente não pensa que os tem, ou então se dá o luxo de negá-los. O perfeito não muda e nem evolui porque é perfeito, assim sendo, para que precisaria mudar ou evoluir? A premissa da perfeição, no entanto, oculta um medo muito grande de errar, incapacidade de lidar com a realidade e com a frustração além de expectativas muito irrealistas.

    A perfeição, então, não é uma característica, ela assume, na verdade, a função de um mecanismo de defesa. Defende a pessoa contra o real, ou seja, a possibilidade de ser “não amada”, reprovada, de não pertencer à determinado grupo. O desejo de perfeição, quase sempre tem por detrás este componente: o desejo de ser aceito e amado por todos. Um desejo, deveras infantil, mas que se mantém com a promessa de um “trabalho bem feito”.

    Seja um trabalho bem feito, uma personalidade boa, uma conduta assertiva, a promessa e o desejo da perfeição mostram estes limites inadequados oriundos de uma mente infantil. Ora, a criança acredita que é possível ser amada por todos, ela não reconhece os limites do afeto ou do pertencimento à um grupo. O medo de que a exclusão seja algo possível também reflete a insegurança em pertencer ao grupo que já pertence. Assim, o perfeito nunca está realmente em paz consigo.

    A perfeição precisa ceder lugar à realidade. Este movimento doloroso para o perfeito, mostra um mundo muito maior também. Embora a exclusão seja possível, a inclusão também é. O perfeito crê que precisa ser aceito por todos, o humano se “contenta” com aqueles que ama. Com isso, o mundo assume contornos mais realistas e a pessoa consegue, então na realidade ao invés de viver na fantasia da busca da aprovação universal.

     

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