• 24 de agosto de 2020

    Honestidade

    – E como que eu vou dizer isso para ela?

    – Também não sei. Como?

    – Ah… não sei… tenho medo que ela brigue comigo.

    – Sim. Mas, vamos considerar: este seria o tipo de briga “que vale a pena ter”?

    – Como assim?

    – Ora, é diferente brigar sobre isso e sobre o tipo de bebida que cada um gosta mais, não é?

    – Sim, completamente diferente.

    – Porque?

    – É que isso não é só uma coisa de gostar. Falando nisso, é algo que me faz “deixar de gostar dela” quando ocorre.

    – Pois é. Se ela for brigar com você ao comentar isso, me parece que essa briga vale à pena, porque é uma “luta” pela relação.

    – É, não tinha visto desse jeito. Estava me sentindo muito egocêntrico em dizer isso para ela, mas é verdade, tenho que falar… até para continuar com ela.

     

    Muitas vezes é difícil entender quais os limites entre ser egocêntrico e realmente precisar de alguma coisa. Porém, esta dificuldade apenas se estabelece quando não sabemos diferenciar, para nós, aquilo que é do desejo e aquilo que tem a ver com nossa identidade.

    Questões relativas ao desejo podem ser fugazes. Em geral elas levam em consideração o momento atual. Isso não faz com que elas percam a importância, pelo contrário, apenas mostra o momento no qual elas aparecem. Algo mais importante que o desejo é a escolha que versa sobre nossa identidade. Quando refletimos desta maneira não pensamos em termos de “quero x não quero”, mas sim buscando uma compreensão mais profunda que busca sentido naquilo que se faz.

    Uma forma de abordar isso é perguntar-se: “se eu for honesto comigo mesmo…”. A continuidade da frase pode assumir vários aspectos: “se eu for honesto comigo mesmo, aceitarei este pedido de desculpas?”, “… consigo mesmo abrir mão disso que quero em prol do que o outro quer”?, “… vou realmente ficar confortável em dizer “sim” para ela(e)”? A questão proposta aqui reflete sobre o ato de desejar e inclui os valores pessoais do sujeito nesta avaliação.

    Com isso, ela entra em um universo no qual a decisão em si é vista de uma maneira mais ampla. Não é uma decisão de momento, avalia-se as consequências dela sobre como a pessoa irá sentir-se consigo após uma decisão ou outra. A integridade da pessoa é o que se coloca em jogo e não apenas a situação. Assim sendo, nestes casos é possível dizer não à algo que se “quer” e sentir-se orgulhoso disso. Também é possível dizer sim à algo que “não queremos”, percebendo isso como uma boa escolha. Ainda é possível escolher algo que, de certa forma, nos prejudica e compreender sua finalidade em nossa personalidade.

    Muitas decisões precisam deste tipo de avaliação porque podem se tornar hábitos. Em relacionamentos, por exemplo, a decisão de abrir mão de algo precisa ser meticulosamente analisada pela pessoa. Afinal de contas isso poderá tornar-se um hábito ao qual a pessoa precisa saber se realmente dará conta. Nem sempre fazemos boas escolhas quando as fazemos de forma rápida e apenas para agradar os outros. Em nome de uma boa relação é necessário frustrar o outro vez ou outra e saber de seus valores e identidade é a maneira de entender quando isso é necessário.

    Esse tipo de reflexão visa criar um compromisso com uma ideia, uma forma de agir. Não é uma escolha sobre “algo”, mas sim sobre “a forma com a qual escolho ou não algo e porque”. Obviamente, como você pode notar, não se trata de uma reflexão rígida para toda vida, mas elas tendem a ser mais longas em termos de duração do que o simples “quero x não quero” ou “gosto x não gosto”. Esse tipo de reflexão, também, nos é necessária para desenvolver nossa auto estima, afinal de contas é com base nisso que estimamos nosso comportamento e, por consequência, nosso eu.

     

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