• 15 de setembro de 2021

    Não peça perdão

    – E daí eu disse: “desculpe”.

    – Porque?

    – Como assim porque? Ela ficou chateada.

    – Sim, mas até onde te conheço, você não viu que fez algo errado para pedir desculpas.

    – Mas você diz que eu faço.

    – Sim, eu digo, mas não importa o que eu digo, mas sim o que você sente em relação à isso.

    – Fiquei confuso.

    – Assuma que você acha que não deve desculpas à ela. Assuma isso ao invés de fingir culpa. Senão vai sobrecarregar a relação.

     

    Para uma civilização baseada nas tradições católicas a ideia de não pedir perdão pode parecer absurda. Porém, nem sempre o perdão é a melhor forma de resolver um problema que criamos para o outro.

    O ato de perdão é tradicionalmente associado com um ato de humildade daquele que cometeu um deslize. No entanto, existe uma dinâmica oculta neste ato que o torna mais complexo. A pessoa que solicita o perdão, transfere a responsabilidade de seu ato e das consequências deste para o outro. Quem recebe o pedido de perdão fica, então, com duas responsabilidades: lidar com o problema que o outro lhe causou e ainda ter que perdoá-lo, ou seja, retirar a culpa sobre seu feito.

    Porém dizer a alguém que algo que nos causou dor não causou dor é mentir. Não é possível retirar a culpa sobre uma ação. Uma ação que machuca, machuca. Não há como negar isso. Não há porque “perdoar”. O ato que nos causa dor precisa ser “celebrado” e valorizado dessa forma. A atitude do “perdão” (aquele que “apaga” o ato) não é humana. Aceitar a dor e a culpa sim.

    Quando digo “não peça perdão”, o que quero dizer é: não dê à alguém que você machucou a responsabilidade por tirar a sua culpa de você. É você quem deve lidar com a sua culpa e não projetá-la no próximo. A culpa pode engrandecer se você lidar de forma honesta com ela. Fazer isso é reconhecer o que você fez e comprometer-se por seu livre desejo em não repetir o que fez, além de arcar com as consequências de sue ato. Essa é a forma adulta e humana em lidar com nossos erros.

    O desejo de expiação é um desejo infantil baseado na ideia de que é possível mudar o passado. Não é. O que está feito, assim está. O presente pode ser vivido e o futuro poderá ser mudado, mas o passado não. Então assumir que o passado existiu é fundamental para lidar bem com a culpa. O segundo passo é assumir a dor ao invés de projetar, negar ou desejar que outra pessoa a tire para você. O terceiro é mudar o seu comportamento.

    E o outro? Bem, o outro vai decidir o que fará. Não cabe buscar coagir o outro a tomar uma decisão em relação ao que fazemos de errado. Ele deve ser deixado livre para decidir o que quer fazer. Manter-se ou não perto de quem nos causa mal não significa apagar o passado, mas aceitar o passado e é preciso ter muita parcimônia nesse momento. É importante para quem fere saber que feriu e é importante para quem é ferido mostrar o ferimento, sem dramas desnecessários. Sem tornar um o “bom” e o outro o “ruim”.

     

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