• 16 de março de 2020

    O monstro em nós

    – Eu não gosto de falar disso.

    – Sim, há algo nisso que é horrível para você não?

    – É… tem sim.

    – Ok. Tente ver se é possível olhar para isso.

    – É meio difícil…

    – Ok, talvez não seja possível. Veja se é esse o caso.

    – É. Eu sei que tem algo que não gosto nesse assunto e não consigo olhar para isso.

    – Ok, tente aceitar essa sensação.

    Uma das origens da palavra “monstro” é latina e significa “aquele que mostra”. Essa figura, no entanto, nunca mostra ou revela algo que nos é conhecido ou desejado. O monstro sempre traz consigo algo que está além da imaginação, algo que é rejeitado e até mesmo temido. Em nossa mente, muitas emoções, pensamentos e desejos podem ser vistos como monstruosos. O que fazer com o monstro em nós?

    Não é algo simples ou fácil falar naquilo que rejeitamos, negamos ou tememos. Gosto de pensar nos “monstros internos” como todas aquelas facetas de quem somos e relegamos. Estas facetas, porém, sempre retornam em formas monstruosas. São elementos, em essência, simples, porém ao longo dos anos eles podem se deformar e assumir o caráter monstruoso. Algo pequeno como medo de ficar só, pode assumir a forma de uma pessoa muito briguenta e defensiva que não suporta desaforos. O monstro, neste caso, é o medo. É ele quem é negado e deixado de lado.

    Para compreender é preciso aceitar. Este é o primeiro passo e também o mais importante. Sem ele, nada vai adiante. Aceitar é dar valor de existência, não se trata de dizer “tá, tá, eu aceito”, mas sim em ceder, com respeito e sem julgamentos um lugar para aquilo que foi deixado de lado. Tudo aquilo que é deixado de lado se revolta contra a consciência. A virtude se transforma e falta de responsabilidade, os defeitos em estagnação. É algo duro, porém, mesmo aquilo que mais nos dói precisa ter um lugar em nosso coração.

    Ao aceitar, olhamos para o monstro. Olhar significa “dar oi” e criar uma relação com aquilo que vemos. É sempre difícil, se fosse fácil, não teríamos desprezado a parte em primeiro lugar. Esta dificuldade reside em abrir mão de quem pensamos que somos. Encontrar, em nós, algo que rejeitamos é nos confrontar com o fato de que somos muito mais complexos do que nós mesmos pensamos. É saber através da experiência que nossa percepção de quem somos é sempre pequena.

    Com isso, é possível caminhar junto com o monstruoso. Ao assumir aquilo que é monstruoso e temido, nos identificamos com a parte e ela conosco. Assim sendo, os pares de opostos da consciência x não consciência se desfazem e derretem. Aquilo que era negado pode ser assumido e transformado. Quando é dado um lugar aquilo que é negado, a magia pode ocorrer. A cura também. As pessoas podem, então, assumir aquilo que era temido e com isso fazer algo.

    Este é o último passo. Em geral, no começo as pessoas querem “mudar”, ser outras pessoas e deixar quem eram para trás. Depois de um tempo, passam a ver que aquilo que desdenhavam e negavam em si mesmas não é tão ruim assim e, ainda por cima, tem uma história. Com o tempo, passam a respeitar e admirar este aspecto de si mesmas. O monstro, se torna um amigo. Ao provarem da essência do monstro, descobrem sua própria essência ali projetada. Isso não significa que o monstro se torna manso e domesticado, mas que a natureza da pessoa se expande e atinge o selvagem.

    Abraço

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