• 15 de janeiro de 2020

    O óbvio nem sempre é fácil

    – Sim, eu entendi… isso é óbvio… mas porque será que é tão difícil?

    – Você sabe porque ver isso é difícil.

    – Não sei.

    – Sabe. Quantas vezes já viu isso aqui na sua terapia?

    – Algumas.

    – O que acontece que essa informação não “fixa” aí?

    – Não sei… eu olho para isso e fico me perguntando… “será?”

    – Isso, precisamente. Ao fazer isso, o que você faz com a informação?

    – Eu meio que desvalorizo ela?

    – Exato. E, ao fazer isso, volta a “estaca zero”. Agora, o que aconteceria se você validasse, dizendo, por exemplo: “é isso!”

    – Hum… daí eu teria que fazer né?

    – E você realmente quer? Sente-se preparado para isso?

    – Humm…

    Uma demanda comum de quem procura a terapia é entender seus problemas. Porém, nem sempre é isso que realmente querem. O desejo mais profundo é por uma nova experiência de vida. No entanto, não é fácil buscar por isso, afinal de contas, assumir este desejo significa realizar mudanças no real.

    É muito comum ouvir das pessoas quando estão fazendo terapia: “eu já sabia disso”. É comum e esperado. Afinal de contas, todos nós pensamos em maior ou menor grau naquilo que fazemos. Nossos atos não passam completamente incólumes por nossa consciência. Boa parte de nós tem consciência daquilo que não está adequado em nossas vidas e de como contribui para isso. Porém, a mente possui alguns “truques” para complicar um pouco a coisa. Afinal, porque simplificar se dá para complicar não é?

    Brincadeiras a parte, o fato é que a percepção do que fazer é diferente de perceber-se preparado para a ação, estar desejoso da ação ou comprometido com ela. Este é um fato que muitas pessoas não contemplam. É comum a pessoa saber o que tem que fazer e dizer em terapia que não se sente preparada para a mudança. É algo difícil para ela. Então, o que fazer com a percepção daquilo que precisa ser mudado? Uma das saídas é a negação. Ao negar aquilo que é óbvio, neutralizamos a pressão por uma mudança no comportamento.

    Contamos muitas histórias para nós mesmos todos os dias. Nem sempre aquilo que percebemos complementa nossas histórias. Pelo contrário, a realidade, por vezes, contradiz de forma brutal aquilo que acreditamos. O “óbvio”, seria olhar para isso e aprender com isso. Porém, quando o óbvio testa aquilo que acreditamos, tendemos a dar um passo para trás. Não é um pecado, é da nossa “natureza”. Desconfiamos daquilo que é diferente, novo ou não conhecido. Mesmo que o sentimento seja de confiança tendemos a ir com calma e prudência.

    A negação, é um mecanismo de defesa que criamos para retirar da consciência aquilo que a desafia. O que é óbvio, nos impele à agir. Porém, se não temos certeza desta ação ou dos resultados dela, pode ser que a preferência seja ficar quieto. Para manter-se quieto é necessário negar. Nega-se o fato, matemos a história “oficial” que nos contamos intacta e seguimos o barco. Não é a “melhor” escolha, mas conseguimos manter certa coerência interna com esta ação.

    O problema é que esta “coerência” tem o custo da saúde mental da pessoa. Então, toda negação resolve um problema ao mesmo tempo que cria outro. É da natureza deste mecanismo esta consequência. Assumir exige da compromisso. Nem sempre temos disposição ou energia para isso. Negar o óbvio não é um crime, todos fazemos isso. O que é importante é desenvolver a consciência de até quando é saudável deixar algumas coisas de lado. Pois, é óbvio, nem sempre é possível negar tudo o que vemos, sob o preço de nossa própria felicidade.

    Abraço

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