• 17 de abril de 2020

    O outro deve me dar o que eu quero?

    – Mas e porque ele não faz isso?

    – Porque ele não quer?

    – Ai, eu não entendo isso.

    – Isso você entende, mas não aceita e porque disso?

    – Porque eu quero outra coisa?

    – Exato, porém ele não é quem vai te dar isso!

     

    É comum ouvir em consultório reclamações sobre aquilo que as pessoas não conseguem com os outros. O aspecto neurótico dessa busca é manter esta insatisfação constante além de nos desviar de um fato importante: os outros não estão aqui para satisfazer nossas necessidades.

    O que você busca nas suas relações? Esta pergunta é importante. O tipo de relacionamento que estabelecemos com as pessoas fala muito sobre nós, as necessidades e desejos que temos. Em geral buscamos aquilo que de alguma forma nos falta ou a complementariedade daquilo que já temos. A busca inicial é quase sempre egocentrada, consideramos o outro como algo que está ali para nos satisfazer. Esta realidade, porém, é rapidamente quebrada até pelo fato de que o outro também tem suas necessidades e desejos que rapidamente se tornam evidentes.

    Assim embora as pessoas com quem nos relacionamos possam, com sua forma de ser, nos ajudar a preencher algumas lacunas, esta responsabilidade não é delas. Se isso ocorre é incidental. Isso não implica que não seja possível existir um desejo do outro em ajudar de alguma maneira. Se assim for, isto será ótimo, desde que a palavra “ajuda” seja mantida com rigor. O fato de que mesmo a ajuda não é responsabilidade do outro, mas sim um fato do desejo precisa ser respeitado.

    Esta posição de inocência do outro diante de nós, ou seja, de que ninguém está nos devendo nada – nem mesmo os pais – é fundamental. Ela nos abre a perspectiva de entender que precisamos ter uma atitude de responsabilidade diante de nossas carências. Mas e se isso envolver buscar outras pessoas? Então o faço da mesma maneira: assumindo a responsabilidade pelo tipo de relação que preciso desenvolver com os outros. O ponto é compreender que o outro não é meu devedor pelo fato de que eu preciso de coisas dele.

    A experiência que precisamos ou desejamos ter em conjunto com outras pessoas não reflete a necessidade delas em nos oferecer tais experiências. Acredito que este seja um ponto básico e fundamental de compreensão de qualquer pessoa que queira levar relacionamentos à sério. O fato que decorre disso, é também pouco explorado, porém importante: nos relacionamos com as pessoas apenas na medida em que isso é possível. Digo isso porque o que temos em geral, são tentativas esdrúxulas de tentar criar relações utópicas com pessoas que estão muito longe deste ideal.

    Porém, o produto deste tipo de relação é o respeito. A partir do momento que tenho com alguém uma relação que não é 100% satisfatória porque o outro não me entrega o tudo o que preciso e ao mesmo tempo, mas respeito este fato, eu também crio um laço de respeito para com o outro ao invés de força-lo a ser aquilo que preciso que ele seja. O respeito como fundamento das relações, portanto, só é alcançado se aceito o fato de que as relações são, por definição, limitadas à um conjunto possível de produtos e não ilimitado.

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