• 13 de maio de 2020

    O paradoxo da força

    – Eu não posso fazer isso?

    – Por qual motivo?

    – Ah, se eu ficar abrindo mão de tudo assim eu logo perco a minha identidade.

    – Interessante.

    – O que?

    – Este seu comentário. Você me parece ser uma pessoa resiliente, forte.

    – Gosto de me ver assim.

    – E ao mesmo tempo, tão frágil que uma simples mudança de comportamento lhe rouba a identidade.

     

    Muitas pessoas confundem sua identidade (quem eu sou) com seus comportamentos (o que eu faço). Embora existe conexão óbvia entre os dois, as categorias de identidade e comportamento tratam de temas distintos. Compreender isso, pode ajudar você a tornar-se ainda mais rico em termos de seus comportamentos e, com isso, expandir ainda mais sua noção de identidade.

    Em geral, pessoas que afirmam que vão perder-se ao mudar seus comportamentos possuem uma noção de identidade frágil. É óbvio que o oposto, pessoas que fazem tudo o que os outros querem, também podem ter o mesmo problema. O ponto é que ambos estão vinculando suas identidades à comportamentos. O que uma pessoa faz não a define, pelo contrário, é uma forma de expressar quem ela é. Porém esta afirmação é diferente de dizer que a pessoa é o comportamento que emite. Assim como um artista pinta várias obras, ele não é identificado às obras em si, mas ao gênio criativo por detrás delas.

    A fixação entre comportamento e identidade nos causa muito sofrimento. Isso porque comportamentos são necessários no mundo afim de atingirmos alguns propósitos. Se desejo fritar ovos, preciso quebrá-los. Assim o comportamento serve à uma função e está situado em um contexto. Desta maneira  muitas vezes precisamos variar o comportamento afim de atingir um propósito, isso se chama flexibilidade. Em alguns casos precisamos ser incisivos em uma negociação, em outros delicados e receptivos. Saber variar o comportamento nos torna mais ricos.

    Porém, se acredito que o comportamento que emito me define, não posso variar o comportamento. Logo o mundo se torna um exercício de exclusão, pois “ou” o comportamento funciona “ou” não (pois não posso mudar minha identidade). Porém em várias situações sociais como namoro, casamento, vida familiar e até mesmo social, esta flexibilidade comportamental é necessária. Sendo assim, na medida em que não me permito mudar porque se o fizer perco minha identidade, o que realmente ocorre é que crio um universo cada vez menor e mais rígido dentro do qual consigo viver.

    E essa ideia é, na verdade, o oposto de força, quando se pensa isso em termos evolutivos. Em outras palavras, quanto mais situações uma pessoa é capaz de suportar, mais adaptada e mais “forte” ela se torna. Se apenas consigo lidar com um número de situações que se encaixam com os comportamentos que estão já organizados em mim, não aprendo nada, não evoluo, apenas me torno mais fechado em minhas convicções e limitações.

    É importante, sempre, compreender o que há por detrás do medo em não variar o comportamento. A noção de perda da identidade em geral está ligada à outros fatores que falam sobre a vida pregressa da pessoa. É comum que sentimentos de menos valia em relação à quem ela de fato é nutram a busca em se tornar uma “pessoa forte”, “inabalável” que não precisa de ninguém. Conseguir perceber e aceitar esta faceta não é um trabalho simples ou fácil para a maior parte das pessoas.

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