• 10 de fevereiro de 2020

    O que eu faço agora?

    – Mas é que eu me sinto meio mal, sabe? Eu não me sinto mudando nada.

    – O que te faz achar isso?

    – Bem, na verdade… eu sei que teve mudanças, mas eu… não sei dizer…

    – Tente.

    – É como se fosse assim: eu já sei que o que eu fazia não me serve, mas o que eu vou fazer agora?

    – Ah, ótimo. Você ainda não sabe, certo?

    – Não.

    – Perfeito. Este “não saber” precisa ser entendido como uma pergunta e não como um fim, entende o que quero dizer?

    – Acho que sim.

    Em toda mudança perdemos algo para ganhar outra coisa. Porém, existe um momento no qual a perda foi percebida e o ganho ainda não apareceu. É um momento muito difícil dentro do processo de mudança, mas que precisa ser suportado e vivido para que ela possa acontecer.

    O processo de terapia é um processo de humildade, de certa forma. Envolve olhar para nossa maneira de nos ver e de ver o mundo e compreender que ela é pequena. A realidade é sempre maior do que aquilo que conseguimos perceber, por isso, em determinados momentos de nossa vida, temos problemas: nossa percepção está menor do que precisa para darmos conta da realidade. Abrir mão de nossa percepção é parte fundamental do processo de mudança. Aprender uma nova maneira de ver o mundo, de agir nele e de se perceber nele surgem, então para deixar nosso modelo mental mais completo.

    Porém o processo não é como uma troca no mercado: “esse modelo não me serve mais, poderia me dar o modelo expandido, por favor?”. Abrimos mão do modelo antigo, ficamos em um “limbo” e depois disso criamos um novo. Sem abrir mão do modelo antigo, a pessoa não se joga na aventura de descoberta e, sem isso, não cria nada novo. É necessário coragem para fazer isso, afinal de contas, nossos modelos serviram durante muito tempo. Ficar sem eles, para muitas pessoas é como “estar pelado”. O novo só se constrói quando temos espaço disponível para criá-lo. Porém entre o novo começar e o velho terminar, temos um desafio.

    O desafio é sustentar “não saber”. Não ter respostas sobre o que fazer consigo é muito angustiante. Em geral, queremos ter respostas para resolver os problemas, isso é natural. Porém, muitas vezes, não temos um problema para ser resolvido e precisamos saber identificar isso. Este “limbo” é um desses momentos. Ele, em si, não é um “problema”, é apenas um momento, uma condição, por assim dizer. Não há nada de errado nele se você olhá-lo como uma fase necessária para a próxima fase que é de criação do novo. O problema é que desejamos transformar o vazio em um problema.

    Olhar para este momento de “sem forma”, na nomenclatura que Stanley Keleman usa, com a intenção de observar é fundamental. Esta atitude não pretende criar respostas (porque não existem problemas), ela apenas observa e percebe os movimentos “espontâneos” do corpo e da mente. A partir disso é que se cria algum movimento. Esta criação não tem intenção de ser um movimento “final”, são ensaios que ao longo do tempo poderão ser úteis ou não e, então, aproveitados para as etapas seguintes do processo (ou não).

    Sustentar o limbo é difícil porque queremos respostas. Porém o limbo é o momento no qual ainda não existem perguntas. Estas, são necessárias para criarmos respostas. Abrir mão de querer respostas neste momento é fundamental. Observar atentamente também. É um momento “pré verbal”, assim o pensamento lógico não é produtivo. Embora nossa cultura de um alto valor para as palavras e o pensamento lógico, ele nem sempre vai ajudar a realizar as mudanças, pois elas passam por um momento “não verbal”, ou seja, pré pensamento lógico e organizado. Se for possível sustentar-se neste momento difícil, você poderá sentir as novas maneiras de organizar o seu mundo sendo criadas dentro de você. Não a partir de “mágica”, sim através de um processo diferente da comum resolução de problemas.

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