• 15 de junho de 2020

    O que eu sinto é real?

    – E ele fez isso comigo, eu não consegui acreditar que foi tudo por nada.

    – Você está muito chateada não?

    – Claro!

    – Gostaria que você dissesse apenas isso então: diante do que aconteceu, me sinto muito, muito magoada.

    – “Diante do que aconteceu me sinto muito, muito magoada”.

    – Ok. Pare um instante e perceba como se sente.

    – Me sinto triste.

    – Essa tristeza lhe parece mais verdadeira do que a raiva que sentia antes?

    – Sim…

     

    As emoções nem sempre são simples de serem compreendidas. A natureza de nossas emoções, a maneira pela qual reagimos a elas e nossa forma de pensar quem somos, o mundo e como a vida deveria ser são fatores fundamentais para que possamos compreender melhor aquilo que sentimos.

    Um dos fatos mais comuns no consultório são pessoas falando a respeito de suas relações e do que os outros fizeram com ela ou deixaram de fazer. Muitas vezes o “fato” que é trazido à sessão não constitui um “fato” propriamente dito, mas um sentimento sobre o que aconteceu. Em outras palavras, muitas vezes ocorreu um fato e a pessoa sentiu este fato de determinada maneira. É comum que tomemos aquilo que sentimos como a realidade e não como o que sentimos sobre a realidade. Embora possa parecer a mesma coisa, não é e esta diferença é fundamental em nossas vidas.

    Isso porque aquilo que sentimos está intimamente ligado ao que pensamos sobre a situação, à maneira pela qual interpretamos o que nos acontece. Se de um lado a emoção é sempre certa, de outro, a interpretação que fazemos pode ser distorcida. Tomando a situação que trouxe acima: é “certo” que a pessoa se sinta com raiva, pois a interpretação dela do evento é que tudo o que ela fez “foi por nada”, nesta situação o namorado dela se tornou o responsável por tirar dela a esperança de um futuro melhor. A questão terapêutica é: será que foi isso o que ocorreu, ou esta foi “apenas” a sua interpretação?

    Para responder adequadamente esta pergunta, a pessoa precisa compreender o que a motiva a interpretar a situação daquela maneira. Em geral omitimos, distorcemos e generalizamos o mundo. Isso é feito por todos nós em todos os momentos e não é algo “errado”, são recursos que usamos para lidar com o mundo. O fato é que podemos usar estes mecanismos de formas adaptativas ou não adaptativas. O que traz as pessoas para a terapia é esta segunda forma. Assim sendo é comum que a interpretação que fazemos do mundo esteja repleta destes elementos e que isso nos faça sentir de determinada maneira.

    Por exemplo, podemos entender que a pessoa em questão foi educada de forma a ser sempre um vencedor. Assim sendo, acredita que “estar no controle” é a coisa mais importante (especialmente numa relação), e ao perceber que não detém controle sobre o namorado ou namorada, compreende que “foi tudo por nada”. Ou seja, ao abrir-se para um relacionamento e ver que não tem controle sobre o outro entende que, no fundo, não valeu a pena ter se aberto ou amado alguém, pois ele ou ela é incapaz de manter o controle.

    Toda esta distorção cria o sentimento de tristeza, afinal de contas a pessoa se percebe perdendo algo. Mas como ela é uma vencedora, não admite perder e fica com raiva “de quem causou isso” (afinal poderíamos colocar “culpa” na própria pessoa ou até mesmo nos pais, mas isso não é justo ou útil). Neste caso embora o sentimento seja real, a interpretação que o causou é apenas uma interpretação. Ajudar a pessoa a compreender que, por exemplo, não temos mesmo controle e que isso faz parte das relações humanas já é uma forma de mudar as distorções que a pessoa tem e isso poderá ajudá-la a avaliar novos sentimentos.

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