• 8 de novembro de 2017

    O receio de desejar

    – Mas e porque eu não consigo dizer isso para ele?

    – Porque será não é mesmo? O que você sentiria se dissesse?

    – Eu não sei, mas acho que não ia me sentir bem não.

    – Sentiria qual emoção?

    – Eu acho que eu ia me sentir culpada.

    – Culpa, então está fazendo algo errado?

    – Estranho, mas sinto assim.

    – Perfeito. O que torna isso errado?

    – Não sei… eu acho que posso acabar tendo problemas se eu falar o que eu penso.

     

    O desejo é fundamental ao ser humano. Ele nos move em busca daquilo que queremos e nos faz alçar os voos mais longínquos. Ao mesmo tempo, nem todos podem ser satisfeitos e precisamos saber como lidar com isso. Algumas pessoas, no entanto, fazem uma ligação perigosa entre o ato de desejar e a sensação de cometer um erro ao fazê-lo.

    O que faz essa ligação tornar-se perigosa são suas consequências. Uma delas é que a pessoa pode acabar levando este traço de comportamento e crença como um pedaço de sua identidade. Ao identificar-se com a certeza de que é errado desejar, a pessoa torna-se submissa. O mecanismo é simples: se meu desejo é errado, porém preciso desejar, sobra-me o desejo do outro, este sim, o certo. Logo aquilo que os outros falarem, exigirem ou aquilo que a pessoa entender como expectativa se tornam leis dentro dela.

    Porém, este estado nem sempre é sentido como benéfico o tempo todo. Logo a pessoa percebe que nem sempre lhe é bom ouvir os outros. Embora acredite que o desejo do outro é certo, consegue sentir que também lhe é nocivo. Dessa maneira pode acabar, mais tarde “rebelando-se”. Em geral, porém, a revolta se faz de uma maneira contraproducente. A pessoa faz algo que ela própria considera inadequado e às escuras (ou seja, sem o conhecimento do outro). Assim sendo, apenas termina por reforçar a sua percepção inicial de que seu desejo é errado.

    Isso porém aumenta o drama interno no qual o desejo se torna ao mesmo tempo um castigo – por ser errado – e um alívio – visto que nem sempre o desejo do outro faz bem. Assim sendo a pressão interna aumenta e os comportamentos tendem a ser mais extremados. Outra solução para este conflito é questionar a ideia de que o desejo é errado. Esta crença é incompleta, pois, geralmente diz que todo desejo da pessoa é errado e ponto. Porém faltam muitos detalhes nessa história.

    Tradicionalmente, as pessoas que creem que seus desejos são errados tem pais que precisavam de “sossego”, ou seja, um filho que não quisesse muitas coisas, alguém sob controle. Assim sendo ensina-se à criança que seus desejos são errados para que ela pare de querer e submeta-se aos desejos dos pais. É daí que nasce uma crença como esta. Porém, até que ponto o desejo do outro é “correto”? Nem sempre aquilo que é desejado pelo outro é algo “bom” – nem para si e nem para o outro – ou seja, o outro também erra.

    Perceber esta realidade pode ajudar a pessoa a questionar esta crença limitante e buscar novas experiências nas quais aprende a verificar como a sua experiência pode servir sim de base para o desejo. Reaprender a fazer vínculos é o recurso seguinte, aprendendo a olhar para os outros não como portadores do “certo”, mas apenas como outros seres humanos. Suportar a distância e a discordância quando se faz necessário é mais um requisito, pois nem sempre os outros gostam quando lhe dizemos “não”. Com isto a pessoa pode iniciar o processo de dar ao seu desejo um lugar de merecimento dentro de si. Desejar e realizar.

    Abraço

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