• 29 de novembro de 2017

    Ouvir a experiência

    – Mas Akim… eu já te falei.

    – Eu sei que você já “me” falou, mas não “ouviu”. Pare e escute o que você está falando.

    – Eu ouvi o que eu falei.

    – Escutou, mas não ouviu. Sinta o que você disse. Pare de jogar para fora, fique com o que você falou. Sinta o que isso provoca em você.

    – Eu não gosto disso.

    – Sei que não.

    – Eu não gosto e não quero.

    – Sim… continue, aceite esse desejo de negar, lhe dê espaço também.

    – É bem isso, quero jogar isso para fora.

    – Diga: “por favor: cuidem de mim”.

    (Com os olhos cheios de lágrimas) – É muito difícil pra mim dizer isso.

    – Ótimo!

     

    Uma pesquisa recente mostrou que 50% dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais. Sabem ler, mas não interpretar. É como ler sem ler. Muitas pessoas fazem o mesmo em relação ao que falam, elas dizem, escutam, mas não ouvem. Assim sendo, falam muito, mas evoluem pouco.

    Queremos falar, queremos dizer, queremos chegar à conclusões brilhantes. E continuamos querendo isso tudo cada vez mais. Aí, chega um momento no qual a pessoa percebe que já falou o que está dizendo. Já fez isso várias vezes, inclusive. Ela começa a se dar conta e se cansar de repetir o mesmo discurso. Com raiva, diz para si mesma: eu já sei disso, porque continuo insistindo? Conclui que deve ser algum defeito em relação à sua inteligência ou talvez esteja fadada a viver este destino para sempre. É algo difícil.

    Porém, nem sempre o problema é de inteligência ou de “resistência”. Muitas vezes se trata de algo mais simples: realmente ouvir o que diz. Queremos falar muito, mas nem sempre isso quer dizer que estamos falando sobre o essencial, o que realmente importa. Queremos dizer, o que significa que é mais importante mostrar o que sabemos do que refletir e internalizar isso. Queremos sr brilhantes, mas nem sempre isso é o que precisamos, e em outros casos, o brilhante é tudo, menos real.

    Pare. Ouça o que você disse. Sinta aquilo que falou. Permita que o que você fala sobre você mesmo ecoe. Não se trata de uma competição para ver quem tem o insight mais brilhante. É você falando sobre você. Salvador Minuchin (adoro citar isso) falou, certa vez que nos 5 primeiros minutos de sessão a pessoa já diz tudo o que precisamos saber. É verdade. Às vezes, ela não precisa nem dizer. É só olhar e você já entendeu. Falamos muito para ouvir pouco. Queremos que alguém resolva por nós, queremos apoio, segurança, conforto. Por isso falamos. Mas é isso que resolve? Não.

    Ouvir de verdade implica em aceitação. Não é fácil lidar com a aceitação. Ela nos faz ver coisas que não queremos ver. Por isso, falamos sobre elas, na esperança mágica e infantil de que se eu falar, isso vai embora. Não vai. Porém se falo pouco e presto muita atenção ao que digo, crio intensidade, força no que falo. Essa força pode ser dolorosa e nos causar medo ou repulsa. Mas nos edifica, nos faz ver o passo que temos que tomar.

    Ouvir com intensidade é sentir o que foi dito. Isso é diferente de colocar pra fora. Ao sentir o que dizemos, criamos um cenário interno, nos colocamos dentro de nossa própria fala. Isso nos faz enxergar, inclusive, muitas vezes, isso nos faz ver que o que falamos está errado. Ao sentir o que dizemos, é possível rever as falhas. Mudar o discurso para algo mais útil. Sentir o que falamos é sair da racionalização e penetrar no sentimento que nossa fala nos provoca. E isso é o importante. Não se trata de encher o terapeuta de informações, mas de criar, com ele, soluções.

    Abraço

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