• 27 de novembro de 2017

    “Pelo resto da minha vida”: prisão ou libertação?

    – Ah Akim, mas até lá eu não sei o que vou estar fazendo.

    – Não sabe?

    – Claro que não, quem pode saber?

    – Bem, você tem razão, o futuro é realmente imprevisível.

    (silêncio) – Mas e então?

    – Então o que?

    – O que eu faço? Eu preciso tomar uma decisão agora, mas isso envolve o que eu vou fazer no futuro.

    – Pois é, mas você mesmo disse: “não sei o que vou estar fazendo”. Então, como tomar a decisão?

    – Pensei que você poderia me ajudar.

    – Como?

    – Talvez me ajudar a ver o que eu poderia estar fazendo.

    – É que não se trata disso.

    – Se trata do que?

    – Se você vai ou não se comprometer. O futuro é imprevisível, mas isso não impede o ser humano de buscar algo nele. Agora te pergunto: será que a sua “falta de saber” sobre onde estará é baseada em uma “percepção realista” do futuro ou simplesmente uma maneira de fugir da pergunta: o que eu quero fazer com minha vida?

     

    Muitas pessoas não acreditam mais em profissões ou compromissos de “longo prazo”, a ideia de pensar em ter um emprego até o fim da vida soa como um retrocesso pessoal. A atual corrente prega que “nada é permanente”, mas será que isso significa que ninguém é capaz de fixar-se em algo (e viver feliz)?

    “Nunca sabemos o dia de amanhã”, “ficar a vida toda em uma só profissão é uma prisão, olhe quantas existem”, “você não pode ficar restrito à uma vida tão pequena”, “tem muitas coisas para se fazer no mundo”, estas são frases que circulam no meu consultório quando as pessoas falam sobre o futuro. Interessante notar que, ao mesmo tempo que não desejam comprometer-se com um destino específico, também buscam um “sentido para a vida”. Porém, pessoas que tem um sentido definido, em geral, assumem apenas uma profissão e, muitas vezes trabalham boa parte da vida ou toda ela na mesma ocupação. Seria isso um paradoxo?

    O problema é o engodo do discurso de “faça muito”. Ele te priva de olhar ao que realmente importa. É óbvio que o mundo tem muitas oportunidades, e daí?A prisão não está em não aproveitar todas, mas sim em não saber o que você quer, afinal é o rumo da sua vida e não da vida do mundo. É um erro conceitual gravíssimo considerar como iguais as oportunidades de escolha e a necessidade de escolher todas elas. De outra maneira: é um erro entender que o fato de ter muitas opções nos obriga a ter que escolher todas elas.

    O problema com tal engodo é que ele se torna uma profecia que se auto realiza. Com a ideia de que “nada é para sempre” em mente a pessoa entra em seus compromissos de forma não comprometida, ou como gosto de dizer: de maneira consumista. Isso significa que ela ficará em compromissos da seguinte maneira: (1) enquanto ele for fácil, (2) enquanto ele trouxer muito mais benefícios do que deveres, (3) enquanto o compromisso motivar a pessoa (nada de auto motivação aqui) e (4) com a projeção de “quando sair” pré definida. Em outras palavras, hoje em dia muitas coisas duram pouco porque as pessoas já entram pré dispostas a sair.

    A saída deste engodo é simples: olhar o essencial. A cultura atual faz as pessoas olharem para fora: o mundo, viagens, profissões, roupas. Todos os produtos e serviços que existem são ótimos. A questão que realmente importa é: qual deles você precisa. A resposta da cultura é: você tem que experimentar. Bem, isso não é verdadeiro. Pessoas com um bom grau de auto conhecimento conseguem priorizar aquilo que sabem que lhes fará bem. Com isso em mente, reservam a maior parte do seu tempo para isso e uma outra porção para descobertas. Aí sim a experimentação é válida, como um complemento para aquilo que já se sabe sobre você mesmo.

    “Ah, mas é que eu adoro descobertas”. Esta frase tem que ser olhada de perto. Existem pessoas que realmente amam isso. Essas, no entanto, levam esta atividade “a sério”. Em outras palavras, isso é a rotina delas. São generalistas e curiosos para quem descobertas são importantes. Outras pessoas usam isso como uma desculpa para não se fixar em nada. O primeiro “tipo” de motivação se dá muito bem em um universo com muitas escolhas, o segundo “faz, faz, faz” e sente que nunca fez nada com sua própria vida. Hora de parar de tapar o sol com a peneira e enfrentar seus medos de escolher.

    E porque temos medo de escolher? Porque escolher significa perder. E ninguém “pode” perder hoje em dia. Todos tem que ganhar o tempo todo em tudo. Esta é outra ilusão do discurso de consumo. Não é possível (e nem saudável) ganhar tudo sempre. Quem precisa ganhar tudo, sempre, é porque não consegue enxergar o que é essencial para si. Não sabe, portanto, relativizar e priorizar. E para quem tudo é importante, é porque nada é importante. Quando tudo tem o mesmo peso, é porque não sabemos o peso de nada… para nós mesmos. E este é o preço amargo (e altíssimo) de não ser livre para escolher.

    Mas Akim, existe algo de errado com pessoas que escolhem mudar de profissão ou atividade? É claro que não. Quando isso é feito de maneira genuína é fantástico. O problema que trago aqui é a nova ditadura que ordena que todos pensem assim e excluí aqueles que querem ter uma vida “diferente” tratando-a como “monótona” ou “retrógrada”. Saber aquilo que queremos algumas vezes envolve fazer escolhas diferentes, outras vezes em manter a mesma escolha diante das dificuldades e do desejo. Reconhecer ambos estilos é fundamental para a saúde mental.

    Abraço

     

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