• 23 de março de 2020

    Preguiça

    – Me dá uma preguiça isso.

    – Sim, mas é algo mais do que preguiça. Vamos olhar isso.

    – Ok.

    – O que essa preguiça te impede de fazer?

    – Ah, sei lá, ir e falar o que eu tenho para dizer, por exemplo.

    – Perfeito. Olhe para isso, sem se cobrar a ação. Olhe tempo suficiente para sentir algo em relação à isso.

    – Eu não quero fazer isso.

    – Ótimo, olhe para esta negação. O que há nela?

    – Medo. Eu não gosto de falar o que eu penso.

    – É mais que “não gosto”, é “tenho medo”. Experimente dizer isso em voz alta para se ouvir.

    – Tenho medo de falar o que penso.

    – Ótimo. Fique um pouco com isso.

     

    Algumas vezes sentimos preguiça, ou algo que chamamos “preguiça”. A falta de vontade em fazer algo embora possa ser chamada de preguiça, muitas vezes é “sintoma” de outros fenômenos. Aprender a distinguir entre esses fenômenos é fundamental para se permitir curtir uma preguiça boa ou para se colocar de pé e resolver assuntos pendentes.

    Quando falamos em uma “preguiça boa” estamos falando de um estado fisiológico de desejar ficar sem fazer nada. A preguiça, embora pouco explorada, é uma sensação que nos leva a apenas contemplar o mundo. É uma pausa que é diferente da necessidade de descanso ou sono. Trata-se de um permanecer. Assim sendo, na preguiça existe certa presença de um “movimento”, ou seja, uma movimento em direção à menos atitude, menos movimento externo e mais interno. A preguiça é mais interessante de ser sentida acordado do que dormindo, fato que é interessante.

    Quando se fala no desejo de não agir, tratamos de outro tema. Confunde-se com a preguiça justamente por isso. Mas o desejo de não fazer algo é diferente do desejo de permanecer no nada (que é a preguiça). Quando se fala em não ir na direção do movimento, a pergunta é: o que há no movimento que desejo o afastamento dele? O que há na ação que digo “não” à ela? Estas são perguntas interessantes. Com ela é possível criar alguma reflexão realmente produtiva.

    Então, podemos falar sobre algo aversivo naquilo que tenho para fazer. O mesmo vale para o desejo. É possível desejar algo importante e mesmo assim não querer agir. Diante da ação surge uma “preguiça”, na verdade o que surge é simplesmente uma negação da ação. É importante sentir essa diferença. Aceitar aquilo que dizemos internamente é um dos caminhos que podem nos levar adiante. Repito: o que há no movimento que desejo me afastar dele? Ele me lembra de algo que considero ruim? Diante dele me sinto pequeno ou incompetente?

    Com esta reflexão olhamos para o centro da negação. Este é o objetivo. Olhar para aquilo que negamos e para o motivo que nos leva a negar isso. Quando se faz isso, torna-se possível dar o próximo passo. É possível, por exemplo, aceitar o movimento que se mostra diante de nós. Damos um passo para trás e não se cobra mais uma ação. Apenas olhamos para o movimento e para o que sentimos com ele. Então nos permitimos sentir essa sensação. O medo, fragilidade, raiva, tristeza. Tudo o que possa surgir.

    Então podemos lidar com essas emoções, pensamentos e memórias. Este é o segundo passo. Não olhamos mais para o movimento que não queremos fazer, mas sim, para o impedimento que criamos diante dele. Se é possível tratar do impedimento, logo a ação se torna simples e aceitável. Enquanto queremos passar por cima daquilo que nos impede o movimento, travamos, ficamos “preguiçosos”. Ao assumir o que há em nós e lidar primeiro com isso, destravamos o corpo, emoção e mente e buscamos aquilo que há para ser buscado.

     

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