• 22 de janeiro de 2020

    Questões “mal resolvidas”

    – Eu não sei lidar com essa situação.

    – Sabe sim, tem feito o que tem feito.

    – Sim, mas, veja… não é bom pra mim ficar me escondendo e não me abrir para ninguém.

    – Não, não é. Porém, ao mesmo tempo, te protege.

    – É verdade, mas eu não quero ficar assim a vida toda.

    – Perfeito.

    – Eu queria que essa situação ficasse bem resolvida sabe?

    – Sei, mas até quando você vai ficar querendo isso?

    Algumas pessoas passam um bom tempo de suas vidas com questões mal resolvidas. Nem sempre nos é possível atingir determinadas resoluções em problemas que enfrentamos no passado e até mesmo no presente. Porém será que realmente o que nos sobra é uma “questão mal resolvida” ou algo um fim que não nos agradou?

    “Nunca estrague seu presente por um passado que não tem futuro”. Esta frase é atribuída ao Dalai Lama e me encantou a primeira vez que a li. Ela fala da experiência de vários clientes que atendi, de minha vida e da de muitas pessoas. Fala um pouco sobre a natureza do processo de terapia também. Vivemos de histórias. Construímos nossa percepção de eu e de mundo com base nesses relatos que fazemos à nós sobre quem somos e sobre como o mundo é. Porém, existe um problema: nem sempre o resto do universo concorda com nosso ponto de vista.

    Assim, temos o que  chamamos de “questões mal resolvidas”. Em geral, quando algo não está “bem resolvido”, as pessoas ficam presas ao passado tentando de formas diretas e indiretas reescrever um determinado capítulo de suas histórias. Alguns até acreditam que não estão fazendo isso, porém, quando observamos o comportamento mais de perto, fica clara a perspectiva. Um exemplo típico é quando a pessoa tenta resolver a vida de outras como uma forma de escrever novamente a sua história. O pensamento mágico é: se resolver a vida de outra pessoa com problema semelhante ao meu, resolvo o meu, me absolvo.

    Outra forma é quando a pessoa adota um comportamento que ela acredita que poderia resolver a situação dela. A adoção do novo comportamento não tem a ver com criar um futuro melhor, mas sim, em lidar com o passado doloroso. Ela se mantém, assim, usando novas formas de agir apenas para tentar resolver uma situação passada. Ocorre que o mais difícil a fazer é também a única solução: aceitar o passado tal como foi. Nem sempre isso é fácil porque o passado pode ser muito doloroso e cruel, porém, mesmo assim, ele é a verdade tal como foi.

    Não há o que possa ser feito em relação ao passado. Uma ação “compensatória” tem este nome justamente para evidenciar este fato. Compensa-se o passado, mas nunca mudamos ele. Aceitar o destino que nos foi legado é a única solução pois nos cria a perspectiva de “ir adiante” com o passado que temos. Não há porque negar o que se foi. É a partir disso que somos quem somos, por mais que isso doa. A partir do momento em que se deixa de lutar contra a história e aceita-se ela, é possível aprender algo com ela.

    Este aprendizado, no entanto, não reflete uma postura de oposição ao que foi feito antes. Ela fala sobre compreender o mundo de maneira mais ampla afim de retirar dele mais conhecimento. Aceitar que o mundo é diferente de nossa narrativa dele é o alvo final. Neste sentido, uma “boa resolução” significa entender que o que narramos sobre o mundo é somente isso: a nossa narrativa. Porém há algo maior do que isso que envolve e vai além de nossa narrativa. Submeter-se a esta realidade nos faz mais fortes, visto que aprendemos a olhar para o real tal como é.

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