• 16 de dezembro de 2020

    Ritos de transição

    – Eu não sei, sabe é estranho a vida agora.

    – O que é estranho nesta vida “nova”?

    – Na faculdade eu meio que sabia o que fazer sabe? Agora, me sinto meio perdido.

    – Sim. Me diga uma coisa, você já entendeu o que aconteceu com você?

    – Como assim?

    – O que realmente significa “ter se formado”?

    – Eu passei né? Fechei a faculdade.

    – Entendo. Esta é uma forma de ver. Gosto de pensar que quem entra na faculdade não é um estudante, mas sim, um profissional em formação. Se você fosse pensar nesta maneira, como olharia para o seu momento atual?

    – Nossa… é estranho  e me dá até um medo isso.

    – Sim.

    – Eu diria que… eu estou começando a minha profissão.

    – E está? Porque talvez você ainda seja, “aí dentro”, um estudante, esperando a próxima aula.

    – Nossa, faz muito sentido isso!

     

    Rituais de passagem de uma fase da vida para outra, antes eram parte do cotidiano das comunidades humanas. Hoje não temos mais ritos de passagem, porém, temos as transições que permanecem, por este fato, sem sentido e muitas vezes, não sentidas. Isso cria o vácuo no qual muitos se sentem: passam de fase, mas não a sentem.

    Os ritos de passagem foram substituídos por comemorações comerciais como festas ou viagens. Não vejo nada de errado com isso, porém, o poder do rito e sua forma de operar em nossas mentes e corações é muito diferente. O ritual de passagem trata de um tema muito importante o qual é ignorado nas comemorações atuais: a morte. No pensamento mitológico não há como ir para uma nova fase em nossas vidas sem antes morrer para a fase anterior.

    Este é o tema de pessoas casadas que querem manter a vida de solteiras, ou da pessoa adulta que não quer se sustentar sozinho, morando com os pais e sendo sustentado por eles. A nova vida surge em sua verdadeira glória quando a antiga morre. Essa imagem é vivenciada no rito, esta é a sua função: deixar claro para a pessoa e comunidade que algo morreu para que algo possa surgir.

    Os ritos podem ser terríveis e não raro pessoas morriam neles. O ritual trata de uma prova, física ou espiritual, pela qual o iniciado precisa passar afim de mostrar que já consegue dar conta de uma nova forma. Embora hoje não precisemos que os ritos assumam seu caratér mais tenebroso, podemos criar formas pessoais de ritualizar algumas passagens.

    O ponto mais importante do ritual é acionar na pessoa que o vive, uma nova mentalidade. É como se ele fosse um choque que desperta a pessoa para uma nova realidade, ao mesmo tempo que mata a antiga. Então é possível coletar alguma informação com a pessoa e compreender o que significa a vida atual e o que significa a nova vida, com isso você cria um rito no qual um significado morre e o outro pode ser conquistado.

    Rituais não são necessariamente processos rápidos. Em sua maior parte são longos, podendo durar dias. Isso faz muito sentido até porque seu objetivo último é criar uma nova mentalidade e isso não se faz rapidamente. Porém se a pessoa que se engaja em um ritual conseguir passar pela provação, poderá ascender à uma nova mentalidade, perceber o mundo e perceber-se no mundo sob nova otica.

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