• 1 de janeiro de 2020

    Se fazer de inocente não ajuda ninguém

    – E eu resolvi não dizer nada.

    – Porque?

    – Não vai resolver.

    – Resolver o que?

    – Ela não vai mudar.

    – Mas é sobre isso que se trata?

    – Como assim?

    – O importante é ela mudar?

    – Não é?

    – É isso ou, neste momento, você mostrar que isso te incomoda?

    – Não sei.

    – Como ela se sentiria se percebesse você incomodado?

    – Acho que ela não se sentiria muito bem.

    – E você dá conta disso?

    – Hum… acho que não.

    Nem sempre é fácil aceitar quem somos. Alguns tem dificuldades com seus defeitos enquanto outros com suas qualidades. Aceitar qualidades é uma atitude que nos liga aos temas da responsabilidade e do poder. Afinal, aquele que sabe, pode e consegue, cria, para si um diferencial. A maneira pela qual lida com isso é fundamental para seu desenvolvimento.

    Este post não se trata sobre enaltecer as virtudes de cada um. Pelo contrário. Fala sobre algo muito mais fundamental que são as consequências trazidas pelo fato de aceitarmos ou não as qualidades que temos. É comum em nossa cultura que as qualidades criem problemas ao invés de serem fontes de soluções. Quando uma pessoa assume um potencial, ela se torna responsável por ele, porém, se ela tem dificuldades com responsabilidade isso pode se tornar um revés ao invés de uma benção. Outro cenário é o que envolve a família, tanto a de origem quanto a nuclear. Nessa situação, quando a pessoa é, por exemplo, ridicularizada por ter alguma qualidade, pode tentar inibir seus potenciais.

    Porém, quando falo em “qualidades”, não me refiro apenas às relativas ao desempenho em tarefas concretas. Também falo sobre capacidade de ser independente, agilidade social e emocional que são fatores importantes dentro da mente de cada um. Quando, por exemplo, uma pessoa sabe que não é culpada de uma situação, mas comporta-se como se fosse, está colaborando para que o sistema permaneça intacto, ao custo de seu desenvolvimento. A tragédia disso é que, ao fazer isso, além de colocar o seu desenvolvimento em risco, também coloca o da família que tentava proteger.

    Negar algo que se sabe ou que se pode realizar com o intuito de manter os outros confortáveis é uma atitude que precisa ser muito bem pensada. Quando esta atitude é pontual e envolve, mais tarde, uma nova conversa na qual tudo se esclarece é algo possível e, em algumas situações, sábio. Porém, quando se torna um hábito corriqueiro sem nenhum critério, não ajuda ninguém. O incômodo do qual o sistema (ou às vezes, o parceiro) é poupado não se reverte em algo benéfico para todos. E, como dizia Campbell, quando estamos em uma relação, foca-se o “nós”. Acrescento: o “desenvolvimento do nós”.

    É algo difícil assumir a responsabilidade por uma característica quando sabemos que ela incomoda as pessoas que amamos. Não é fácil a decisão de manter o seu desenvolvimento pessoal ao custo de incomodar alguém. Por outro lado, o crescimento só ocorre com incomodo. Se a pessoa não fica inquieta com algo ou incomodada com uma situação, não busca crescer. O crescimento também envolve a “boa dor”, tal como a “dor de academia” que é a sensação de músculo dolorido que nos informa que estamos ficando mais fortes.

    Algo é certo: ao frear aquilo que você pode por medo de ser responsável por isso, seu desenvolvimento será freado também. Isso não ajuda ninguém. Pelo contrário, atrapalha. Não significa impor de qualquer maneira algo à alguém, mas sim, não cair no hábito de costumeiramente abir mão de sua percepção e capacidade afim do outro manter-se em sua zona de conforto. Crescer e tornar-se adulto envolve assumir a responsabilidade pelo seu “tamanho”. Fingir que você não sabe o que sabe não o ajuda a se tornar adulto.

    Abraço

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