• 18 de outubro de 2017

    Ser ou não ser

    – Mas eu não entendo o que ela vê em mim.

    – Sim, eu sei. O que te impede?

    – Não sei… eu acho que ela me acha mais que eu sou de verdade.

    – Sim, este é o problema, você não se percebe tal como é.

    – Você acha?

    – Na verdade, o real problema é que sua auto imagem é negativa, então o elogio é algo estranho à você.

    – É verdade… mas então quer dizer que eu sou um cara legal?

    – Essa pergunta é você quem tem que responder.

     

    Identificar-se é um processo de natureza interessante. Ele não está ligado à “realidade” objetiva, mas sim à uma percepção subjetiva. O que sempre fica evidente é que não importa aquilo que a pessoa faz, mas sim se sua atitude mental a reconhece como detentora das competências que a permitem fazer o que faz.

    Identificar-se é o processo de dizer “eu sou…”. De forma simples é isso. Esta frase simples tem, no entanto, um poder muito grande, pois define nossa realidade psíquica. Um exemplo típico que praticamente toda pessoa com problema de auto estima tem é de ter uma competência e não se identificar como detentor dessa competência. Por exemplo, a pessoa consegue ganhar o seu dinheiro, é um bom profissional, mas ao falar sobre isso, dedica essa competência à sorte, ao que seus pais fizeram por ele ou à instituição de ensino. Ele não se apropria disso dizendo, por exemplo: “tive boas influências e tomei-as para mim, sempre quis ser como os profissionais que admirei e hoje consigo me ver como uma pessoa de sucesso”.

    Porém, sempre estamos identificados com algo. No caso acima, quando a pessoa se identifica como uma “sortuda” que está conseguindo dinheiro exclusivamente por causa do outros e da sorte a sensação de culpa pode ocorrer. Afinal de contas, se não é ela quem está merecendo o dinheiro, pode se sentir mal em receber – principalmente se ela está crescendo muito. Várias pessoas, sabotam seus processos de crescimento profissional por causa disso, inclusive. Assim sendo, podemos nos identificar como detentores de uma competência ou como portadores de muita sorte. A diferença entre ambos não é apenas de palavras, mas sim de repercussões emocionais na auto imagem da pessoa.

    A culpa é uma sensação muito comum para as pessoas que negam suas virtudes e competências. Percebem, então, como sortudas e terminam por temer que alguém descubra isso. É a sensação de estar enganando todo mundo e ter medo de “ser pego” na mentira. Outra dinâmica comum trata da injustiça. Neste caso, em oposição ao primeiro, a pessoa julga ter competências que não possui. Desta maneira, não obtém as recompensas que espera por ser “tão boa” e termina por crer que as pessoas, o mundo, as instituições estão agindo contra ela ou injustiçando seus esforços “merecidos”.

    Interessante mostrar que ambos tem um choque de realidade quando percebem o que é real “de fato”. Isso não significa, no entanto, que vão incorporar a informação à sua identidade. Como afirmei anteriormente, o que conta é a imagem interna que a pessoa cria. Para criar esta imagem, é necessário confiar nela e no seu próprio julgamento. Muitas pessoas tem problemas em “ficar se achando” ao afirmar algo de bom sobre si ou de correrem o risco de “serem humilhadas” caso incorporem algo “negativo” sobre si próprias.

    A realidade é sempre amiga do ser humano. Quanto mais nossa percepção interna se alia ao real, mais fortes nos tornamos mesmo que percebamos algo negativo sobre nós. O lema do AA, faz jus à isso: “sim, eu tenho um problema”. E é a partir dessa percepção, incorporando esta realidade que a pessoa passa a agir. Enquanto agimos sobre fantasias (negativas ou positivas), nos excluímos do real. Na fantasia temos um terreno amplo, porém infértil. Na realidade temos um terreno mais delimitado, porém fértil.

    Abraço

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